6:56Deus e o Diabo na época do voto

por Célio Heitor Guimarães

O grande Rubem Alves, meu filósofo favorito, afirmava que “para que a ideia de democracia nascesse, foi preciso que os homem deixassem de acreditar em Deus”. E explicava: “Quem acredita conhecer os pensamentos de Deus não precisa perder tempo tentando conhecer o pensamento dos homens”.

Como exemplo, Rubem citava o caso da Igreja Católica medieval que, julgando-se depositária da revelação da vontade divina, tratou de estabelecer uma teocracia em que a vontade da patuleia não contava. Dizia que é também o caso dos ditadores que, por acreditarem que os seus pensamentos são idênticos aos pensamentos de Deus, governam sem se importar com o que o povo pensa.

Tal qual o PT, que hoje comanda a Nação – ouso acrescentar eu. Para o Partido dos Trabalhadores e aliados, Lula é, atualmente, o depositário da vontade de Deus e, por isso, o que vale é o pensamento dele, pouco importando o que pensam os demais. Mais do que isso, Lula é a própria encarnação de Deus. E mais ainda: os pensamentos contrários ao pensamento de Lula e do PT ofendem a vontade divina e devem ser combatidos a qualquer custo.

Tome-se o caso da candidata Marina Silva. Ela tem uma trajetória parecida com a de Luiz Inácio, com dois adendos: é mulher e negra. Como Lula, Marina emergiu dos cafundós do Brasil, dos seringais do Acre, foi alfabetizada aos 16 anos e passou fome. Aliás, passou mais fome do que Lula. Mas conseguiu estudar e formou-se em história, mesmo que, para isso, tivesse que lavar o chão. Como Lula, foi uma das fundadoras do PT e dedicou ao partido amor, trabalho e fidelidade canina anos a fio. Talvez continue cultuando Luiz Inácio até hoje, mas, a certa altura, sentiu que o partido não mais a queria em seus quadros. Saiu de fininho, sem ofensas ou escândalo e foi continuar o seu próprio caminho. Isso bastou para virar anjo caído do cristianismo petista e passou a ser demonizada pelos antigos parceiros. Aí o destino jogou Marina em nova disputa presidencial e ela se tornou um perigo para o PT e para a almejada perenização do poder. Lula reuniu a companheirada, incluindo João Santana, o marqueteiro de Dilma Rousseff, e Franklin Martins, atual Goebbels informal petista, para as devidas providências. Elas não tardaram.

Primeiro, Marina foi chamada de “frágil” e de “despreparada”, além de ser “acusada” de professar a fé evangélica; depois, disseram que ela representava os interesses dos banqueiros e que, se eleita, tiraria o prato de comida dos pobres do Bolsa Família. O notório João Pedro Stedile, do MST, ameaçou comandar uma nova invasão por dia no país, caso ela vencesse a eleição.

Tamanha tem sido a tarefa de desmonte da candidata Marina Silva – capaz de vencer a chapa-oficial Dilma Rousseff no segundo turno, segundo todas as pesquisas de intenção de voto – que um dos coordenadores de sua campanha, o biólogo João Paulo Capibianco, em entrevista à Folha de S. Paulo, ironizou:

-– Não duvido que o João Santana já não tenha preparado um filme dizendo que Marina come criancinhas. É o que está faltando.

Não era. Não fizeram (ainda) o filme, mas, de repente, não mais que de repente, surgiu em cena um tal de Wayne Madsen, dito jornalista e ex-oficial da Marinha dos EUA, denunciando, emsua coluna no jornal online Strategic Culture Foundation, que a morte do ex-candidato a presidente do Brasil Eduardo Campos foi preparada pela CIA norte-americana. E que “Marina Silva é a favorita de Barack Obama e de George Soros”. Em entrevista ao blog do jornalista brasileiro Claudio Tognolli, do Yahoo Notícias, Madsen informa que “Marina defende que os EUA comandem a globalização, livre comércio, investimentos privados e é pró-Israel”, isto é, “Marina é do jeito que o Pentágono e Wall Street adoram”.

Pode?

Rubem Alves se dizia enojado da política. E que, quando pensava em política, seus pensamentos ficavam pesados como blocos de concreto, ou seja, entidades inertes, mortas, das quais não surge nenhuma vida. Citava o filósofo Nietzsche, que confessava haver encontrado com o demônio e que, sempre que isso acontecia, todas as coisas leves ficavam pesadas e caíam. Isso levou Nietzsche a afirmar que o demônio era o espírito da gravidade. Rubem confessava que sentia o mesmo quando via notícias de política. O que o levou a suspeitar que é ali, na política, que mora o demônio.

Uma vez mais, estou com o saudoso mestre.

 

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Uma ideia sobre “Deus e o Diabo na época do voto

  1. Professor Xavier

    Entendo e até aceito que os eleitores beneficiados pelos muitos e vários programas sociais existentes pelo País todo votem nos donos do poder. Mas o eleitor que se deixa enganar por propaganda eleitoral é muito idiota, porque é só ligar lé com cré que a conta fecha na hora. Ontem os pais destes aloprados que hoje zoam da ex-seringueira achavam-na quase divindade sobre a Terra. Eleitor que não sabe discernir entre propaganda política e a realidade só merece ter mais do mesmo.

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