10:32Parados no tempo

por Cristovao Tezza

Assim que me tornei professor da Universidade Federal de Santa Catarina, em meados dos anos 1980, deflagrou-se uma greve, a primeira que vi de perto, e que foi talvez a mais longa de todas, contra o governo Figueiredo, em seus estertores. Lembro da emoção quase revolucionária daquele momento iniciático. De manhã, professor novato, eu ia entusiasmado colar cartazes e fazer ponto nas esquinas, pedindo dinheiro para o fundo de greve; de tarde, aproveitava o tempo ocioso, mas precioso, para escrever o romance Aventuras provisórias, refugiado numa casa da Lagoa, como se eu ainda fosse um jovem alternativo. Era o fim da ditadura, e a resistência da universidade pública ganhava uma aura sagrada frente aos “gorilas” ainda no poder. Quanto a isso, nem seria preciso temer – na verdade, ninguém foi mais estatizante que os generais da ditadura.

O problema era salário, diante da inflação devoradora. Mas, com a correção monetária, que pagava juros diários a quem tivesse conta em banco, foi-se ampliando mais ainda a clássica separação entre ricos e pobres, à custa do dinheiro do Estado – isto é, de todos. O funcionalismo federal pairava, soberano, sobre a média nacional, contando também com o privilégio da aposentadoria especial que não existia em nenhum outro país do mundo, e cuja manutenção no longo prazo – todos sempre souberam disso – era inviável.
Além disso, havia a luta, enfim vitoriosa, pela democratização das instâncias de poder da universidade, com eleições para reitor e cargos de chefia. Assim, democrática e generosa, a universidade se tornou uma espécie de arquipélago da utopia socialista, espalhado pelo país. Fui professor durante mais de 20 anos e em quase todos havia greve, sempre confortável, com salários na conta todo fim de mês, mesmo sem aula. Pouco a pouco, o brutal desperdício de tempo – meses de férias coletivas, com o progressivo desmantelamento da qualidade – foi minando o entusiasmo “revolucionário”; cada nova greve me soava mais absurda, o palavrório se reduzindo a palavras truculentas de ordem, com os ideários, hoje cartilhas, já concentrados na mão profissional de sindicatos. Não há nenhum projeto novo de universidade brasileira, que, apesar de certamente concentrar a melhor inteligência brasileira em todas as áreas, afunda-se paradoxalmente na irrelevância. As eleições internas caíram na armadilha populista e repetem em escala miúda o fisiologismo político nacional, como se a universidade fosse uma maquete do Estado. A máquina das federais tem sido incapaz de propor qualquer coisa que não seja a própria manutenção – são as “conquistas da luta”, como repetem os chavões.

A educação é uma das duas grandes tragédias brasileiras (a outra é a violência); a universidade poderia ter um papel central para repensá-la radicalmente, antes que se torne em definitivo apenas mais uma corporação obsoleta e tentacular.

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*Publicado no jornal Gazeta do Povo

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Uma ideia sobre “Parados no tempo

  1. Professor Xavier

    As universidades federais vãos e tornando sinônimo de má formação acadêmica, mestres somente pensando nos seus ganhos, sempre insatisfeitos, querendo mais e mais. E alunos mais preocupados em fazer política do que se educar. Formados caem em desespero, aqueles filhos de papais e mamães mais abonados nem tanto, tem em quem se agarrar, mas os filhos dos menos abonados veem as oportunidades de emprego irem diminuindo, diminuindo até desaparecerem. Viu no que deu estudar pouco? Deu nisto, incapacidade de arrumar um emprego. Aí os mais necessitados aceitam o que aparecer pela frente, seja o que Deus quiser, dizem isto os que ainda acreditam em Deus. Os outros não sei.

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