O poeta completa setenta mil anos e nem pó é mais. O homem poeta não é o poeta. A poesia é o homem poeta. Um dia fui à casa do homem que era poeta. Na Barreirinha. Buscar encomenda de poesia – sim, porque o homem poeta também poetiza quando pedem e lhe pagam. Paulo Mendes Campos só escrevia sob encomenda. O que fica? As palavras em forma de poesia, que pode aparecer para sempre em forma de romance, conto, versos escritos, versos cantados – ou um texto sobre futebol. O poeta escreveu sobre futebol e encantou, mais uma vez. Era sobre a conquista de um título brasileiro, o primeiro de um time paranaense. E o time não era o dele, rubro-negro, porque alviverde, Coritiba de 1985. Tinha um jardim na casa de madeira do poeta e ele escreveu sobre o amanhecer de todos os jardins, de toda a cidade, no dia seguinte à conquista do Maracanã. Iluminou ainda mais os corações da torcida em êxtase, porque poetas são assim mesmo, nos pegam pelas mãos com as palavras e nos levam por aí, por aqui, dependendo de como anda a alma. Muitos anos depois, na comemoração do centenário do campeão, a mesma revista onde a poesia foi publicada fez o favor de confundir as bolas e misturou a poesia com a reportagem de quem foi buscá-la – e assinou tudo com o nome do poeta, mas isso é outra coisa. Em outra ocasião o homem poeta estava do outro lado da mesa num jantar no Tortuga – e uma mulher sentada perto dele desmaiou de repente. O encontro acabou ali. Um dia passando de carro no Alto da XV vi o homem num bar de esquina. Ele bebia como eu logo de manhã. Aí foi embora e vi amigos próximos a ele chorarem. Eu conhecia mais ou menos o homem, assim como o poeta. O poeta surgiu inteiro muitos anos depois, porque também faço poesia da vida e os meus versos têm a hora certa de aparecer como se encantados – e é isso que ocorre no momento com as palavras de Mario Filho. O homem Paulo Leminski nasceu há 70 anos. O poeta é eterno – pois nos deixou a alma de presente em forma de versos. Amém.