7:31Vivos e eternos

por Ruy Castro

 Para quem passou a vida vendo filmes em todo tipo de cinema –salas comuns, de arte, palácios, cinematecas, cabines, poeiras, porões e até na rua (com as imagens projetadas num lençol)–, doeu descobrir que o cinema estava perdendo a graça. Digo, o cinema americano. Era 1980. Razão do desamor? O excesso de efeitos especiais.

Eu sei, o cinema sempre usou efeitos especiais. Exemplos: Carlitos patinando de olhos fechados numa loja de departamentos e quase caindo no vão livre em “Luzes da Cidade” (1931); Fredric March, sem maquiagem, passando de Jekyll a Hyde em “O Médico e o Monstro” (1932); Clark Gable e Vivien Leigh na carroça entre as chamas de Atlanta em “… E o Vento Levou” (1939). A graça estava em a platéia não perceber os truques –os filmes tinham coisas mais importantes para mostrar.

Mas, em meados dos anos 70, George Lucas e Steven Spielberg inverteram essa equação e reduziram a idade mental dos espectadores para 13 anos. Ali, pedi o boné. E, desde então, pelo que me contam, o cinema de Hollywood se tornou um grande desenho animado. Por um processo chamado CGI (sigla em inglês para imagens geradas por computador), as câmeras simuladas fazem coisas que nenhuma câmera de verdade pode fazer. E os atores praticam façanhas só possíveis para “atores virtuais” –que é o que eles são.

A pergunta é inevitável: se seu presente já é uma reles virtualidade, quem se lembrará desses atores no futuro?

Outro dia assisti de novo a “Êxito Fugaz” (1950), um fascinante drama “noir” temperado a jazz, com Kirk Douglas, Lauren Bacall e Doris Day. Os três só faltam saltar da tela: lindos, expressivos, plenos de carne, osso e emoções. Vivos. Lauren morreu nesta terça (12), aos 89 anos, mas Doris (90) e Kirk (98) ainda estão por aqui –como se precisassem continuar vivos para ser eternos.

*Publicado na Folha de São Paulo

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