6:57Minha casa, minha vida

por Célio Heitor Guimarães

Cidade que tem cidadão que paga R$ 14 milhões por um apartamento já erradicou a pobreza. Li, algum tempo atrás, na coluna do sempre bem informado Reinaldo Bessa que um tal Palazzo Lumini, empreendimento imobiliário encantado, localizado no Ecoville (codinome chique do velho Mussunguê), com mais de 800m², piscina privativa em cada apartamento e banheiro para “pets”, além de campo de golfe com nove buracos, heliporto e spa, estava em fase de acabamento e praticamente todo vendido. O valor médio de cada apartamento era de R$ 14 milhões.

A primeira sensação que tive foi de que não se tratava de coisa de Curitiba. Talvez nem do Brasil. Estava fora da realidade nacional. O Bessa, ainda que sempre cuidadoso com o que escreve e porta-voz dos ricos e poderosos, devia ter se enganado. O tal Palazzo Lumini, a julgar pelo nome, devia ficar em Roma, Gênova, Veneza ou Florença. Ou – mais apropriadamente – em Dubai, nos Emirados Árabes. Nova York ou Miami, quem sabe? Mas em Curitiba?! Bem, como ficou brega denominar edificações, lojas e demais empreendimentos comerciais em português, podia até ser coisa de Curitiba mesmo…

Agora, sou informado pelo mesmo Bessa que uma festa privativa já marcou a inauguração do mais sofisticado e requintado prédio desta outrora pacífica e pouco deslumbrada Vila de N. S. da Luz dos Pinhais, o tal Palazzo Lumini. Ele acrescenta que o edifício tem 29 apartamentos tipo e uma cobertura duplex (já vendida). E que – como empreendimentos que tais requerem – nova festa de inauguração, desta feita para a sociedade em geral, acontecerá no dia 2 de setembro. Quer dizer: Curitiba aboliu a nobreza, mas não perdeu a mania de grandeza.

Aí concluo que quem está morando na cidade errada sou eu. Ou que, embora tenha trabalhado a vida toda com afinco e ardor, frequentado o poder e convivido com gente poderosa e gente bem situada financeiramente, não tive competência para amealhar nada além do possível para viver com dignidade nem de atingir o patamar da elite. Talvez porque a evolução da espécie seja lenta. Mais: nos meus 70 anos vida, não conheci ninguém que fosse capaz de pagar R$ 14 milhões por um apartamento, tivesse ele ou não piscina para cachorros ou “serviços seis estrelas” nas áreas sociais, como frisou o Bessa. Pequeno e pobre o meu mundinho!…Só de imaginar o valor da taxa de condomínio daquela casinha dá-me um frio no estômago!… Quanto será? Uns R$ 10 ou R$ 15 mil mensais provavelmente…

Fosse eu o síndico desse deslumbramento imobiliário cobrava ingresso da população que quisesse contemplá-lo. A exibição de um dos condôminos ao vivo, ainda que à distância, custaria ingresso triplo. Mesmo assim, com certeza, haveria fila defronte ao Palazzo. Sabe como é o curitibano – curioso e novidadeiro por natureza, correria ao Mossunguê para conhecer as celebridades que compõem a atual nata social/econômica da cidade, aquela que, apenas com trabalho, jamais seremos capazes de atingir. A primeira dúvida é se são seres humanos. Na forma física, é claro. Não seríamos capazes de exigir consciência social.

Aliás, o nosso Reinaldo Bessa, que levantou essa bola, está com a obrigação de divulgar o nome dos felizes adquirentes daquele pedacinho de chão. Corre à boca pequena que um deles – provavelmente, o que ocupará a cobertura – dá expediente no Centro Cívico.

Não é crime ser rico e ninguém pode ser punido por aceitar pagar milhões de reais por uma morada. Mas precisa ser corajoso para, nos dias de hoje, ostentar a sua riqueza. Sobretudo numa cidade em que grande parte dos cidadãos – quando tem o que comer – abriga-se ainda em taperas de papelão, ao sabor do vento, da chuva e do frio.

Está certo: essa ninguenzada não sabe, sequer, o que significa “Palazzo Lumini” nem onde fica a Ecoville. Mas a Receita Federal certamente saberá.

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11 ideias sobre “Minha casa, minha vida

  1. Fausto Thomaz

    E vc sabia que tem um candidato a governador no Paraná que acabou de comprar um apartamento nesse prédio? Tá bem né….

  2. toledo

    Eu também fiquei bem interessado, pensei em usar o imóvel para um assentamento ou sede de uma ONG.

  3. José gregório

    kkkk…. Viver numa província é complicado…Nunca aceita a possibilidade de crescimento, de mudanças…de satisfação do ego alheio…
    As coisas mudam. E quem tem $, tem mais é que aproveitar.

  4. Fausto Thomaz

    Se o dinheiro é fruto do teu trabalho, aproveite e gaste como quiser….agora usar $$$ de impostos e arrecadaçoes que deveriam ser aplicados em segurança, saúde, educação, etc….é outra história.

  5. sergio silvestre

    Heitor,quem pensa sofre mais que aquele que segue o Flautista rumo ao matadouro.
    Fico pensando que aqueles cidadãos que compram um apto deste inventaram uma vacina contra uma moléstia,fizeram alguma coisa que mudou para o bem estar da humanidade.
    Mas se coce tiver acesso a lista de compradores,vai ter politico que nunca trabalhou e nem teve uma granja mas que amealhou muito dinheiro com ela,ou nababos vindo de carreira na justiça ou mexendo com papéis ou sendo advogados de polióticos ou grandes figurões do crime.
    Vai ter sambem empresários ligados a politica que fazem obras superfaturadas,delinquentes anonimas que roubam fortunas em golpes contra a nação e sonegadores.
    Ai se juntam no campo de golfe toda essa prole mais os convidados que são desembargadores,magistrados em geral que tomam wisque e comem caviar juntos e riem da desgraça do seu rebanho que pasta e trabalha 10 horas por dia e sofrem com as tarifas e as contas em geral que vencem no fim do mes e ainda algum juro escorche ante que tem que pagar para esses nababos.
    Quando precisa de uma decisão rapida eles as obtem,quando tem que retirar algum inquilino são rápidos e quando precisam de dinheiro barato e as vezes sem precisar pagar,são obtidos até de graça em bancos do governo.
    Então meu irmão,pensar é castrante,broxante e depressivo.

  6. antonio carlos

    Porque perder tempo analisando a riqueza alheia? Conheço gente que dirigia taxi e hoje nem dirige mais Panamera, pois é , é isto mesmo, porque vendeu e vai comprar coisa melhor. Será que existe? Existe sim. Invocar a RF para passar o pente fino na riqueza alheia é prova inconteste de inveja. Pobre sempre os terei, quem diz isto não sou eu, foi Jesus que o disse.

  7. toledo

    Gregório, o meu Pai tinha razão, uns nascem para Bigorna outros para Martelo. No meu caso, sou bigorna.

  8. José gregório

    Toledo..concordo com o ditado…Eu tbm nasci para bigorna , porém gosto de reconhecer que, quem tem $ e bom gosto, tem mais é que aproveitar.

  9. Célio Heitor Guimarães

    Ainda que só para constar, uma correção: onde se lê, no início do texto, “irradicou” leia-se “erradicou”.

  10. Carlos

    Há de se ostentar tanta riqueza… mas, será que são mesmo ricos? Ou são só a ponta do Iceberg?
    Hoje o high society Brasileira na minha humilde opinião, gasta mais do que tem… ou melhor, ostenta mais do que tem… muitos dos velhos ricos estão falidos e vivem de aparência… muitos dos novos ricos, financiam quase tudo que ostentam… sem generalizar obviamente há aqueles que realmente possuem muitos dígitos na conta bancária.
    Todavia, para aqueles que se espantam com um apartamento de 14 milhões de reais…
    Que tal uma propriedade na Riviera Francesa, antigo (e verdadeiro) palácio que pertenceu ao Rei Leopoldo II, da Bélgica, que hoje pertence a uma BRASILEIRA, sim, um BRASILEIRA, e que é avaliado em míseros 530 milhões de DÓLARES???
    Agora multiplique isso por 4 e entenderá que essa singela propriedade custa nos dias de hoje (devido a essa medonha crise) mais de 2 BILHÕES DE REAIS…. depois disso, alguém ainda crê que há realmente ricos em Curitiba?

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