19:30Até breve, amigo Rubem

por Célio Heitor Guimarães

O Brasil acaba de perder um de seus maiores talentos. E eu uma referência, um mestre e um grande amigo. Rubem Alves, o bom Rubem, faleceu no final da manhã deste sábado, em Campinas, SP. Ele se encontrava internado na UTI do hospital Centro Médico campinense desde o dia 10, com quadro de pneumonia e insuficiência respiratória. Ontem, o estado de saúde dele se agravou com a piora das funções renais e pulmonares.

Raquel, filha de Rubem, registrou em sua página no Facebok: “Não vou comentar sobre a minha dor e nem a da minha família. Isso seria chover no molhado. Mas posso afirmar que prefiro converter a dor de ver meu pai tão mal em amor e gratidão por esse homem e esse pai maravilhoso”.

A luta de Rubem contra a morte terminou às 11h50 deste 19.07. Faz sol na Campinas de Rubem, mas o céu está nublado; a temperatura é amena: 22°. Os ipês, que o escritor tanto amava, já começam o florescer. Mas a tristeza domina o ar. A cidade, o país e a cultura nacional sofreram um grande baque e vamos todos sentir muito a falta dele.

Eu era amigo distante fisicamente de Rubem. Mas sabia, porque aprendi com ele, que para ser amigo não precisa estar junto. Basta querer bem e compartilhar ideias, já que “a experiência da amizade parece ter as suas raízes fora do tempo, na eternidade. Um amigo é alguém com quem estivemos desde sempre”.

Estive pessoalmente duas vezes com Rubem Alves. Dei-lhe dois abraços e dele recebi outros dois. Sobre ele e seus ensinamentos escrevi dois livretos – “O Homem que Tem um Caso de Amor com a Vida” (2004) e “Como Diz Rubem Alves – lições que aprendi com o grande mestre” (2008), edições caseiras, de pouquíssimos exemplares apenas para distribuir aos amigos. Entreguei um exemplar de cada para ele. Foi gentil comigo, recebeu-os com alegria. Dele recebi também, por e-mail, algumas mensagens. A primeira delas, quando ainda não nos conhecíamos pessoalmente. Eu lhe mandara o primeiro livreto, com um bilhete alertando para que não se assustasse, já que não se tratava de apropriação indébita de obra alheia, mas apenas uma manifestação de carinho, materializada em um folheto de apenas dois exemplares (um para mim, outro para ele):

“Célio, meu querido amigo que não conheço. Mas você me conhece muito bem. A partir do título: caso de amor com a vida… Depois, a seleção, pedaços de mim… Foi uma surpresa maravilhosa. Mais do que o livro, saber que há alguém que é amigo e irmão, sem que nunca nos tenhamos encontrado… Isso é coisa rara. Obrigado. Ao final da fala em Curitiba, perguntei ao auditório se um tal de Célio, se você, estava no auditório. Ninguém se manifestou. Eu queria abraçá-lo. Fica para a próxima vez. RA”

O abraço prometido foi recebido algum tempo depois, na sala de eventos da FNAC Curitiba, quando lhe entreguei a segunda “obra”. A resposta chegou em seguida, em novo e-mail:

“Célio, querido amigo: Fiquei emocionado ao sentir o carinho e inteligência com que você me fez presente nas suas crônicas. Isso é coisa muito rara. Você me chama de grande mestre. Não sou nada disso. Sou um menino amedrontado e confuso diante do grande mistério que se aproxima. Ainda bem que tenho amigos… Minha escritura é o jeito que eu tenho de brincar. Quem sabe encontraremos um jeito de nos encontrarmos. Um abraço do RA”.

Encontramo-nos novamente numa noite de julho em Penedo, RJ, ao pé da Serra da Mantiqueira, em uma casa de chocolates.

O grande mistério ao qual Rubem se referia era a morte. Ele não tinha medo de morrer. Tinha uma pena danada de deixar de viver, pois mantinha sim um grande caso de amor com a vida. Amante das metáforas, comparava a vida à chama de uma vela: “A vida é um vela que se consome iluminando”.

A vela da vida de Rubem iluminou até o fim. Poeta, escritor, filósofo, psicanalista, teólogo e professor e, sobretudo, um encantador de pessoas e palavras, sai de cena fisicamente, mas deixa-nos um exemplo e um legado inestimável. Foi um ser humano extraordinário e, por isso, permanecerá para sempre no coração de todos nós.

Segue em paz, querido mestre e amigo.    

 

 

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