5:38A máscara do gigante

por Mario Vargas Llosa

Fiquei muito envergonhado com a cataclísmica derrota do Brasil frente à Alemanha na semifinal da Copa do Mundo, mas confesso que não me surpreendeu tanto. De um tempo para cá, a famosa seleção Canarinho se parecia cada vez menos com o que havia sido a mítica esquadra brasileira que deslumbrou a minha juventude, e essa impressão se confirmou para mim em suas primeiras apresentações neste campeonato mundial, onde a equipe brasileira ofereceu uma pobre figura, com esforços desesperados para não ser o que foi no passado, mas para jogar um futebol de fria eficiência, à maneira europeia.

Nada funcionava bem; havia algo forçado, artificial e antinatural nesse esforço, que se traduzia em um rendimento sem graça de toda a equipe, incluído o de sua estrela máxima, Neymar. Todos os jogadores pareciam sob rédeas. O velho estilo – o de um Pelé, Sócrates, Garrincha, Tostão, Zico – seduzia porque estimulava o brilho e a criatividade de cada um, e disso resultava que a equipe brasileira, além de fazer gols, brindava um espetáculo soberbo, no qual o futebol transcendia a si mesmo e se transformava em arte: coreografia, dança, circo, balé.

Os críticos esportivos despejaram impropérios contra Luiz Felipe Scolari, o treinador brasileiro, a quem responsabilizaram pela humilhante derrota, por ter imposto à seleção brasileira uma metodologia de jogo de conjunto que traía sua rica tradição e a privava do brilhantismo e iniciativa que antes eram inseparáveis de sua eficácia, transformando seus jogadores em meras peças de uma estratégia, quase em autômatos.

Não houve nenhum milagre nos anos de Lula, e sim uma miragem que agora começa a se dissipar.

Contudo, eu acredito que a culpa de Scolari não é somente sua, mas, talvez, uma manifestação no âmbito esportivo de um fenômeno que, já há algum tempo, representa todo o Brasil: viver uma ficção que é brutalmente desmentida por uma realidade profunda.

Tudo nasce com o governo de Luis Inácio ‘Lula’ da Silva (2003-2010), que, segundo o mito universalmente aceito, deu o impulso decisivo para o desenvolvimento econômico do Brasil, despertando assim esse gigante adormecido e posicionando-o na direção das grandes potências.

As formidáveis estatísticas que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística difundia eram aceitas por toda a parte: de 49 milhões os pobres passaram a ser somente 16 milhões nesse período, e a classe média aumentou de 66 para 113 milhões. Não é de se estranhar que, com essas credenciais, Dilma Rousseff, companheira e discípula de Lula, ganhasse as eleições com tanta facilidade. Agora que quer se reeleger e a verdade sobre a condição da economia brasileira parece assumir o lugar do mito, muitos a responsabilizam pelo declínio veloz e pedem uma volta ao lulismo, o governo que semeou, com suas políticas mercantilistas e corruptas, as sementes da catástrofe.

A verdade é que não houve nenhum milagre naqueles anos, e sim uma miragem que só agora começa a se esvair, como ocorreu com o futebol brasileiro. Uma política populista como a que Lula praticou durante seus governos pôde produzir a ilusão de um progresso social e econômico que nada mais era do que um fugaz fogo de artifício.

O endividamento que financiava os custosos programas sociais era, com frequência, uma cortina de fumaça para tráficos delituosos que levaram muitos ministros e altos funcionários daqueles anos (e dos atuais) à prisão e ao banco dos réus.

As alianças mercantilistas entre Governo e empresas privadas enriqueceram um bom número de funcionários públicos e empresários, mas criaram um sistema tão endiabradamente burocrático que incentivava a corrupção e foi desestimulando o investimento.

Por outro lado, o Estado embarcou muitas vezes em operações faraônicas e irresponsáveis, das quais os gastos empreendidos tendo como propósito a Copa do Mundo de futebol são um formidável exemplo.

O governo brasileiro disse que não havia dinheiro público nos 13 bilhões que investiria na Copa do Mundo. Era mentira. O BNDES (Banco Brasileiro de Desenvolvimento Econômico e Social) financiou quase todas as empresas que receberam os contratos para obras de infraestrutura e, todas elas, subsidiavam o Partido dos Trabalhadores, atualmente no poder. (Calcula-se que para cada dólar doado tenham obtido entre 15 e 30 em contratos).

As obras da Copa foram um caso flagrante de delírio e irresponsabilidade

As obras em si constituíam um caso flagrante de delírio messiânico e fantástica irresponsabilidade. Dos 12 estádios preparados, só oito seriam necessários, segundo alertou a própria FIFA, e o planejamento foi tão tosco que a metade das reformas da infraestrutura urbana e de transportes teve de ser cancelada ou só será concluída depois do campeonato.

Não é de se estranhar que o protesto popular diante de semelhante esbanjamento, motivado por razões publicitárias e eleitoreiras, levasse milhares e milhares de brasileiros às ruas e mexesse com todo o Brasil.

As cifras que os órgãos internacionais, como o Banco Mundial, dão na atualidade sobre o futuro imediato do país são bastante alarmantes. Para este ano, calcula-se que a economia crescerá apenas 1,5%, uma queda de meio ponto em relação aos dois últimos anos, nos quais somente roçou os 2%.

As perspectivas de investimento privado são muito escassas, pela desconfiança que surgiu ante o que se acreditava ser um modelo original e resultou ser nada mais do que uma perigosa aliança de populismo com mercantilismo, e pela teia burocrática e intervencionista que asfixia a atividade empresarial e propaga as práticas mafiosas.

Apesar de um horizonte tão preocupante, o Estado continua crescendo de maneira imoderada – já gasta 40% do produto bruto – e multiplica os impostos ao mesmo tempo que as “correções” do mercado, o que fez com que se espalhasse a insegurança entre empresários e investidores. Apesar disso, segundo as pesquisas, Dilma Rousseff ganhará as próximas eleições de outubro, e continuará governando inspirada nas realizações e logros de Lula.

Se assim é, não só o povo brasileiro estará lavrando a própria ruína, e mais cedo do que tarde descobrirá que o mito sobre o qual está fundado o modelo brasileiro é uma ficção tão pouco séria como a da equipe de futebol que a Alemanha aniquilou.

E descobrirá também que é muito mais difícil reconstruir um país do que destruí-lo.

E que, em todos esses anos, primeiro com Lula e depois com Dilma, viveu uma mentira que seus filhos e seus netos irão pagar, quando tiverem de começar a reedificar a partir das raízes uma sociedade que aquelas políticas afundaram ainda mais no subdesenvolvimento.

É verdade que o Brasil tinha sido um gigante que começava a despertar nos anos em que governou Fernando Henrique Cardoso, que pôs suas finanças em ordem, deu firmeza à sua moeda e estabeleceu as bases de uma verdadeira democracia e uma genuína economia de mercado.

Mas seus sucessores, em lugar de perseverar e aprofundar aquelas reformas, as foram desnaturalizando e fazendo o país retornar às velhas práticas daninhas.

Não só os brasileiros foram vítimas da miragem fabricada por Lula da Silva, também o restante dos latino-americanos. Por que a política externa do Brasil em todos esses anos tem sido de cumplicidade e apoio descarado à política venezuelana do comandante Chávez e de Nicolás Maduro, e de uma vergonhosa “neutralidade” perante Cuba, negando toda forma de apoio nos organismos internacionais aos corajosos dissidentes que em ambos os países lutam por recuperar a democracia e a liberdade. Ao mesmo tempo, os governos populistas de Evo Morales na Bolívia, do comandante Ortega na Nicarágua e de Correa no Equador – as mais imperfeitas formas de governos representativos em toda a América Latina – tiveram no Brasil seu mais ativo protetor.

Por isso, quanto mais cedo cair a máscara desse suposto gigante no qual Lula transformou o Brasil, melhor para os brasileiros.

O mito da seleção Canarinho nos fazia sonhar belos sonhos. Mas no futebol, como na política, é ruim viver sonhando, e sempre é preferível – embora seja doloroso – ater-se à verdade.

*Publicado no jornal El País

*Mario Vargas Llosa, escritor, Prêmio Nobel de Literatura

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19 ideias sobre “A máscara do gigante

  1. eduardo

    Magnífico! O melhor e o mais sereno retrato do Brasil em tempos de PT que já vi.

  2. cético

    Muito bom o artigo. Foi o primeiro que li e que fez esta relação do fracasso da seleção com o fracasso das instituições brasileiras. Espero que o fiasco da seleção sirva para pensarmos nisso. Caso isso ocorra, o vexame terá função e finalidade. Entretanto se os debates permanecerem na tábua rasa de como melhorar a seleção, continuaremos perdendo de goleada para Alemanha, Holanda, Japão, Coréia, Chile, China, Uruguai… naquilo que é mais importante: Educação, Saúde, Segurança, Dignidade.

  3. Nosotros

    Definitivamente se escancara a nossa realidade. Infelizmente apenas a visão de fora consegue dar luz ao caos interno e as prováveis consequências do populismo irresponsável . Triste Brasil!

  4. sergio silvestre

    Quando o Fhc,vulgo “BUNDÃO” foi exilado entre aspas e foi morar na casa do LHOSA,e o sujeito ai que ganhou premio Nobel deve ter sido um acaso do destino como o Premio Nobel pro Obama,mesmo ele sendo o que mais promove guerra no mundo.
    Os intelectuais de meia tijela,aqueles que escrevem livros de sociologia onde a maioria é avessa ao sexo normal e quer passar para os nossos filhos seus ensinamentos é os mesmos que falam mal de paises que conhece pouco e fica meio que ridículo já que o distinto e estrangeiro, e seu povo os peruanos acham e chamam o Brasil de MAIOR,O GRANDE.
    Fazer criticas a politicas não é o forte de escritores,já que vivem meio de ficção e acham que pode no alto dos seus 80 anos dar pitacos em coisas alheias já que a senilidade bate a porta e fica meio que dificil prever o que vai acontecer com o Brasil ou se amanhã ele acorda com os anjos.
    É o brasileiro que vai dissidir se fica com o PT ou volta ao passado,onde os saudosistas que habitam a Av Paulista estão sentindo falta

  5. toledo

    Caro Zé, com todo respeito ao Peruano, mas não me empolgo mais com esses comentários e previsões de intelectuais.
    A realidade brasileira é conhecida por poucos brasileiros, muito menos, por jornalistas estrangeiros.
    Não sou Petista, não sou Lulista, mas não posso deixar de reconhecer os avanços sociais que a esquerda promoveu no Brasil. Os governos de direita não promoveram nenhum avanço social no país. Essa é uma verdade que a história conta.
    Com todo respeito ao Peruano, mas ele poderia ser jornalista da rede Globo.

  6. Zé Beto Autor do post

    cada um, cada um, silvestre, mas leia o livro sobre a guerra de canudos do peruano aí. abraço. saúde.

  7. sergio silvestre

    Prefiro o Gabriel Garcia Marques,nunca se candidatou a presidente e era Marxista.
    Mas tem gosto pra tudo ,até para ler “MARIMBONDOS DE FOGO’.
    Mas Zé Beto você já leu algum livro do FHC e se esqueceu do que ele escreveu????????

  8. Leandro

    Antes de tudo, o comentarista deve explicar se é com c ou com ss, Se fosse com ss poderíamos dizer que se trata de uma homenagem ao autor da aberração ortográfica e aí seria “mortográfica”. Porém com trata-se de adepto do lulismo e petismo há justificativa para tal escrita, pois de acordo com o Lula, as palavras se escrevem como se pronunciam, o que resultariam em : TÓCHICO, CURINTIA, FOSQUESVAGUEM e outras pérolas. Quanto o texto , brilhante avaliação da situação do país mesmo sendo feito por um estrangeiro. Reflete a realidade do comportamento de nossos ( ou seria noços) governantes em relação ao compadrio politico com a ralé da América Latina e ao dizer a verdade ofende os leitores fanáticos pelo chamado MARCHISMO pois deve ser assim escrito na concepção de quem acompanha os longos e vibrantes discurso desse pessoal que apresentam a retórica sem conteúdo algum e sempre estão colocando ou procurando vincular o FHC , como poderia ser JK Jango Jânio, Deodoro, Getúlio e tantos outros, nunca alguém de sua “tchurma”. O PT tem em seus quadros pessoas brilhantes, mas o brilho é ofuscado pela comparação do que dizem em relação ao que fazem ou deixam de fazer. Finalmente, esses “abestalhados” que se fazem de esquerdistas nunca leram nada de conteúdo até mesmo “O Capital” Biblia dos Marxistas e já fora de moda até nos países considerados comunistas.

  9. toledo

    Silvestre, ele disse que era para esquecer o que ele escreveu. Segui a risca o que ele disse. O seu erro na palavra decidir foi digno de correção pelo Mansur Guérios do Blog. Se você ficou magoado, eu tenho uma faca que o Zé disse que é minha e eu posso te emprestar.

  10. Zé Beto Autor do post

    a faca é minha, mas eu empresto para casos de dor de cotovelo extrema. hihihihihihihih

  11. toledo

    Caro Leandro,não seria o caso de uma terapia. Esse complexo de vira latas não é saudável.

  12. cético

    O maior malefício que os “marqueteiros” da política fizeram ao Brasil foi transformar o eleitor em torcedor, uma vez que nesta condição o torcedor eleitoral abdica da razão, do bom senso, da capacidade de ver a realidade. Uma vez envolvido pela paixão, o torcedor eleitoral, tal qual um corintiano fanático jamais vai perceber o óbvio, apenas torcerá por seu time, partido ou candidato (ainda que o desempenho seja pior que o da seleção brasileira). Alguns comentários deste “blog” demonstram claramente esta faceta. Uma pessoa com um mínimo de bom senso saberá de quem estou falando. Entretanto, os torcedores eleitorais a que me refiro, como verdadeiros zumbis, alienados por sua paixão eleitoral, terão a certeza que meu comentário não lhes diz respeito, que estou falando de outra coisa, da direita, da esquerda (ou de qualquer outra bobagem em que acreditam ou que odeiam).

  13. Nosotros

    A tentativa de desqualificar o analista e patética! Fruto da visão distorcida e parcial do contexto!

  14. sergio silvestre

    Toledo,eu tenho o corretor de palavras mas deixo algumas erradas para ver seu o Juquinha e o Leandro prestam atenção ao ler o que eu escrevo.Olha os caras leem e corrigem e como da IBOPE cara.
    Não seria PRESTÃO???????????????????

  15. antonio carlos

    O Vendedor de Ilusões é adorado fora dos domínios de Pindorama, acham-no o máximo. Mas vamos fazer o quê, iludidos os há em toda parte. Felizmente nem todo mundo é igual, e o Vargas Llosa é prova disto. Penas que poucos se interessem tanto pela nossa realidade, a de fato e não a vendida lá fora por este Desgoverno.

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