14:40Os mimadinhos, os milhões e a nossa realidade

Todos sobrevivemos porque, no fundo, sabíamos que ia dar merda. Nilton Santos tratava a bola com carinho para que ela nunca o traísse. Foi o que aconteceu ao saudoso mestre. Nunca deu um bico nela, nunca desrespeitou a torcida, sempre vestiu a camisa do Botafogo, cuidava do seu talento como deve ser cuidado, como um dom recebido de Deus. Claro que morreu pobre, mas antes de partir, antes de perder a memória, disse com todas as letras que bens materiais, fama, dinheiro, isso é adereço que não pode ser colocado acima do que realmente vale nessa passagem que temos na vida. Nilton Santos será lembrado eternamente.

E esses meninos que saltam da lama para a fama dos milhões, que fazem propaganda de cueca, que são fashions, esses vão ficar ali no álbum de figurinhas eternizados como protagonistas do maior vexame vivido por uma  seleção brasileira em cem anos de história. Meninos mimados e alimentados por uma máquina que incensa e tritura ao mesmo tempo, anabolizada pelos bilhões de dólares e pela irresponsabilidade de uma mídia que, com as raras exceções, incentiva o delírio coletivo, aquele que encobre a realidade de um futebol medíocre e berra a bobagem de que cantar o hino vai transformar o que é tosco em algo que brilha.

Garrincha não sabia cantar o hino, como os jogadores que “estavam com a taça na mão” antes de começar a Copa das Copas – essa que acabou sendo mesmo, porque, graças às outras seleções, foi um espetáculo muito bonito de se ver. Torcida a favor, torcida contra… Isso conta? A nossa era a favor. Os jogadores eram contra. Deu no que deu. Mas, como dizia o mestre Armando Nogueira, sempre é bom recordar, porque o passado a gente edita – e serve de lição. Em 1962 Pelé se machucou no início do Mundial do Chile, foi substituído por Amarildo, o Possesso, e o Brasil ganhou o bicampeonato porque Garrincha mostrou que não era apenas um ponta direita genial. Mas o time tinha Gilmar, Djalma Santos, Mauro, Nilton Santos, Zito, Didi, Zagalo, etc.

Naquele ano, o Santos conquistou a primeira Taça Libertadores para o Brasil e, na disputa pelo Mundial de Clubes, enfrentou o Benfica, base da seleção portuguesa e na qual jogava Eusébio. No primeiro jogo, no Maracanã, 3 a 2 para o Santos (dois de Pelé e um de Coutinho). No segundo, diante de 75 mil pessoas, no Estádio da Luz, aconteceu o que muitos jogadores santistas daquele time considerado o melhor de todos os tempos, contaram depois: foi a melhor partida que fizeram na vida. Os portugueses, entusiasmados com o resultado do primeiro jogo, se preparavam para vender ingressos para o terceiro jogo. Contavam com a certeza da vitória. O Santos enfiou cinco gols (três de Pelé, um de Coutinho e um de Pepe) e os donos da casa fizeram dois. O Santos jogou onze vezes pela Libertadores e Mundial.  Venceu oito e empatou três. Não havia psicóloga, frases de auto-ajuda, dinheiro a rodo, nada para “incentivar” esse time. Eles agradeciam por estar naquele time e jogavam em qualquer lugar como se estivessem no campinho de terra do terreno baldio onde a bola reconheceu o talento deles.

Os meninos mimados que entraram em todos os jogos um se segurando no outro, talvez para não revelar a tremedeira, esses voltarão agora para a Europa e esquecerão rapidamente o que proporcionaram à torcida brasileira. Estão ricos, farão mais propagandas onde parecem jogar o máximo. Continuarão a ser badalados pela imprensa que tenta vender um peixe que não existe. Os tempos são modernos, de fama fugaz. No caso deles, para nós que amamos o futebol, o que vai ficar para sempre não são os 15 segundos, mas os seis minutos mais tristes da história da seleção, quando tomaram quatro gols numa semifinal de Copa do Mundo dentro do Brasil.

*Publicado no site A Gralha (www.agralha.com.br)

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