14:06Di Stéfano, adeus

Da Folha.com, em texto de Humberto Peron 

“Gracias, vieja! (“obrigado, velha!”) Foi com esta inscrição, sob uma bola que ele mandou construir no jardim de sua casa, que o craque argentino Alfredo Di Stéfano, que faleceu nesta segunda (7), aos 88 anos, na cidade de Madri, agradeceu à fiel companheira que o tornou um dos mitos do futebol mundial do século 20 e que ele mandou para as redes em mais de 600 oportunidades profissionalmente.

Para os mais jovens é bom dizer que não são poucos os torcedores e também jornalistas que consideram Di Stéfano o melhor jogador da história do futebol argentino, inclusive superando ao ídolo Diego Maradona. Com o apelido de ‘Flecha Loura’, conquistado graças as suas arrancadas, ele é um dos grandes ídolos do Real Madrid, clube que defendeu entre 1953 e 1964 e se tornou presidente honorário do clube em 2000 –com sua importância no futebol ganhou o mesmo cargo na Uefa (entidade que comanda o futebol na Europa).

O que é engraçado é que o jovem Di Stéfano, que nasceu em Buenos Aires (Argentina) no dia 4 de julho de 1926, quando adolescente, se pensasse em construir um monumento em sua casa para homenagear sua profissão, colocaria um avião no lugar de uma bola. Apesar de ter nascido em uma família de torcedores do River Plate, o jovem Alfredo queria se transformar em aviador e não em um jogador de futebol.

Este pensamento só durou até aos 17 anos, quando ele foi chamado em cima da hora para complementar um time de bairro e acabou marcando três gols. Pouco depois ele foi levado para jogar nas categorias de base do River Plate e aos 19 anos estreou na equipe profissional do tradicional time argentino em 1945, ano que o time conquistou o título argentino. Di Stéfano jogou apenas um jogo na campanha.

Para um jovem era muito difícil arrumar um lugar no time histórico do River Plate, que ficou conhecido como “La Máquina” e que tinha no ataque craques como Juan Carlos Muñoz, José Manuel Moreno e Ángel Labruna e ele foi emprestado ao Hurácan. Mais experiente, voltou ao time de Nuñez em 1947, para conquistar o título argentino, agora como protagonista e sendo o principal artilheiro do certame.

Depois de uma greve de jogadores profissionais argentino em 1948 –e que só terminaria em meados de 1949– Di Stéfano aceitou uma proposta financeira irrecusável para jogar no Millonarios de Bogotá (Colômbia). Aliás, ele não foi o único platino que partiu para jogar no futebol colombiano. Mais de 50 jogadores argentinos foram jogar em clubes colombianos. A chegada dos argentinos foi fundamental para que a Colômbia assumisse como característica, que continua até hoje, o toque de bola.

A rica liga colombiana, cada vez mais contratava craques da América do Sul e em 1951 se tornou um torneio pirata e não reconhecida pela Fifa. No mesmo ano foi feito um acordo entre os clubes da Colômbia e as confederações sul-americanas que dizia que em 1953 essas equipes deveriam devolver aos times de origem os craques que tinham levados para o futebol colombiano. E foi neste período que Di Stéfano começou a chamar a atenção dos clubes do Velho Continente, principalmente da Espanha.

Sabendo do acordo entre os colombianos e os outros países sul-americanos, o Barcelona conversou com o River Plate e contratou Di Stéfano. Ao mesmo tempo, o Real Madrid negociava com o Millonarios. O atacante chegou a fazer três partidas amistosas pelo clube catalão, mas foi criado o impasse, pois a equipe de Madri dizia ter os direitos do jogador. O clube da capital espanhola acabou levando vantagem e o caso foi o estopim da grande rivalidade entre Real Madrid e Barcelona, que não era tão acirrada antes da briga das duas equipes para contar com os gols do atacante argentino. O próprio Di Stéfano declarou que o Barcelona se tornaria o seu inimigo número um dentro do futebol.

No Real Madrid foi que Di Stéfano se tornaria uma lenda do futebol. Entre 1953 e 1964, jogando ao lado de craques como Kopa, Puskas, Gento, ele conquistaria oito campeonatos espanhóis e nada menos do que cinco Liga dos Campeões (Champions League) de forma consecutiva. No principal torneio de clubes da Europa fez 49 gols e foi o goleador máximo da competição até o final do século 20 (hoje é o sexto atrás de Raúl, Messi, Van Nistelrooy, Cristiano Ronaldo e Henry).

A passagem de Di Stéfano é tão marcante pelo Real Madrid que os mais fanáticos torcedores do clube merengue juram que o gramado do estádio do clube, o Santiago Bernabéu, ter uma caída para o lado esquerdo, pois era a faixa que o craque mais atuava no estádio.

A fama fez com que o jogador fosse sequestrado em 1963, na Venezuela, pelo grupo Força Armada da Libertação Nacional venezuelana (FALN). Quase três dias depois, o craque foi libertado, sem o pagamento de resgate, numa ação que serviu para os sequestradores denunciassem para o mundo o regime do então presidente venezuelano Pérez Jiménez.

O craque, aos 38, deixaria o Real Madrid, em 1964, após uma série de desentendimentos e por não aceitar ficar na reserva, foi jogar no Espanyol, de Barcelona, onde encerrou a carreira profissionalmente dois anos depois.

Mesmo sendo um dos maiores craques da história do futebol, Di Stéfano nunca jogou uma partida em Copas do Mundo, mesmo tendo em três seleções diferentes: Argentina, onde conquistou o título do Sul-americano (atual Copa América) de 1947, Colômbia e Espanha. Ajudou a Espanha se classificar para a Copa do Mundo de 1962, disputado no Chile, mas contundido, mesmo estando entre os 22 convocados, não entrou em campo.

Depois de encerrar a carreira, Di Stéfano foi técnico de várias equipes inclusive do Real Madrid e conquistou títulos, inclusive com os grandes clubes argentinos: River Plate e o Boca Juniors. Mesmo com problemas de saúde, em 2005, já tinha sofrido um infarto, o jogador sempre acompanhava o Real Madrid.

Por tudo fez nos gramados, agora chegou a vez dos fãs de futebol homenagearem a Di Stéfano com um: “gracias, viejo!”.

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