21:45Copa de contradições

por Inácio Araújo

Incrível o que a gente sente quando passa pela rua: nenhuma expectativa quanto à Copa do Mundo.

Quando nosso time ia jogar no Japão ou na África do Sul, todo mundo já se sentia concernido a esta altura dos acontecimentos.

Talvez haja alguma coisa desse tipo:

A seleção sempre foi onde depositamos o que julgamos ser nossas melhores virtudes. É onde nos afirmamos diante do mundo. Aquilo que nos faz pensar em um futuro grandioso, ou pelo menos melhor.

A organização, ao contrário, sempre foi nosso ponto fraco. É sobre ela que pairam os nossos piores temores. O problema não é não vai ter copa. É vamos passar vergonha na Copa? Será que o show de abertura vai dar vexame? E os serviços de informação? Será que os turistas vão chegar ao estádio? E a corrupção?

Deixemos a corrupção: é uma longa história que ainda precisa ser contada, mas eu digo contada direito, não pelo viés eleitoral.

Mas todos sabemos que, na hora, todo gringo chegará ao estádio. Porque alguém lhe dirá: vai by here, va by there, vem with me, etc.

E as placas, na última hora, vão aparecer. Pelo menos parte delas. A gente sabe que é assim, não? Todo ano, na hora do Imposto de Renda, alguém desce de Marte para dizer que o brasileiro faz tudo de última hora.

Seria diferente agora?

Mas a bagunça não deve ser motivo de vergonha. De alguma irritação, talvez.

Mas não vergonha. Organizada era a Alemanha nazista. Lá não saía trem atrasado. Mas, para onde?

A Itália, ao contrário, era bagunçada como a gente: lá os judeus conseguiam sobreviver.

Então vamos perder a vergonha de ser como nós somos.

Para o bem e para o mal, claro. Podemos aproveitar a percepção de nossos defeitos para nos aprimorar em umas tantas coisas.

É claro que Confins (cito esse porque estive lá outro dia) está um pandemônio. Não vai se ajeitar. Mas se tirarem uns tapumes, arrumarem umas coisas, todo mundo vai chegar e sair de lá na boa. Com tantos problemas como na Europa ou nos EUA, aliás.

Nosso choque cultural nesta copa vem, me parece, destas contradições.

Afinal, o que sempre admiramos na seleção de futebol que nos representava?

Não a ordem germânica, o maquinismo russo.

Mas a improvisação, a capacidade de resolver problemas ali onde tudo parecia insolúvel.

Não é o que se pede da seleção?

Será que o que se pede da organização não é o seu exato oposto?

*Publicado na Folha de S.Paulo

 

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