14:41Não há almoço grátis

por Hélio Schwartsman

Declaro-me culpado. Algumas semanas atrás, quando propus que a USP instituísse mensalidades para seus alunos, o fiz ao comentar a crise financeira na universidade paulista. A questão da cobrança, porém, transcende ao problema conjuntural. É uma medida, creio, de justiça social, que deveria ser implementada mesmo que a USP estivesse com folgas no orçamento. Aliás, ela não diz respeito apenas à USP, mas deveria ser estendida a todas as universidades públicas.

A constatação básica é a de que a palavra de ordem “universidade pública, gratuita e de qualidade” é uma ilusão cognitiva. Uma universidade pode perfeitamente ser pública e de qualidade (no modelo brasileiro, são justamente as públicas que tendem a fazer mais pesquisa e, portanto, consagrar-se como melhores), mas alguém precisa pagar por isso.

Ou a conta vai para o conjunto dos contribuintes, ou para o estudante e sua família. Também é possível dividir a fatura, fazendo com que o aluno pague uma parte, e o poder público (isto é, todos nós), outra. Como uma pessoa que conclui curso universitário tende a receber, ao longo de toda a vida, salários bem superiores à média, parece-me razoável exigir que ela arque diretamente com pelo menos uma fatia desse bolo.

Trocando em miúdos, não faz muito sentido exigir que os impostos do favelado paulista subsidiem o estudante de medicina ou engenharia da USP, que, apesar dos relevantes serviços que prestarão, serão recompensados com vencimentos 15 ou 20 vezes maiores que a média nacional.

A questão, no fundo, é simples. A menos que incorrêssemos em alíquotas de imposto significativamente maiores que as atuais, o Estado não consegue oferecer “gratuitamente” tudo o que dele se exige. Precisamos fazer escolhas. E aí o caso da universidade é um dos mais difíceis de defender. A educação básica e a saúde, para citar apenas dois itens, me parecem prioridades bem mais claras.

*Publicado na Folha de São Paulo

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Uma ideia sobre “Não há almoço grátis

  1. m.n.

    Essa turma do neoliberalismo não dá folga. A tal da pesquisa que mostra que os alunos da USP podem pagar pelos seus cursos deve ser uma coisa atípica e isolada. Não se traduz para o conjunto das universidades públicas do país. Tenho contato direto com uma universidade pública e o que vejo é um quadro totalmente oposto. Tem os cursos onde se concentram os mais ricos, como a medicina. Mas a grande maioria dos alunos restantes são pessoas que não teriam condições de pagar. Só estão lá por causa dos programas implantados pelo governo, que mudou o perfil do universitário brasileiro.
    É sempre bom lembrar que o tucano FHC intentou privatizar as universidades públicas. Só não foi adiante que a repercussão foi péssima e ele viu o tamanho da briga que ia comprar.
    Quanto ao senhor aí do texto, que deve ser muito viajado, devia conhecer outras realidades, como a da Bélgica, onde os alunos carentes não só não pagam, como recebem auxílio para alimentação, livros e moradia; os que podem contribuem.
    A investida contra a universidade gratuita é simplesmente mais um ataque contra os frágeis avanços do Brasil no sentido da igualdade de oportunidade. Além disso, soa extremamente demagógico esse papinho de “favelado pagando faculdade”; essa turma não tá nem aí prá favelado.
    Se é prá dividir a conta, devia ratear entre os banqueiros e os empresários da Fiesp, donos do PIB.

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