6:23Sem obras e sem discurso

por Ivan Schmidt

Leio nas folhas que a reeleição da presidente Dilma Rousseff, hoje ameaçada pela evidência concreta do segundo turno, depende em grau elevado do desempenho da seleção brasileira na Copa do Mundo. É isso mesmo o que você acabou de ler. Caso o Brasil venha a ser desclassificado, a campanha de Dilma terá um percalço a mais a suplantar e o sonho de permanecer na presidência da República poderá se transformar num pesadelo. Já se o capitão brasileiro erguer a taça pela sexta vez, tudo indica que – mesmo tendo que suar a camisa – para usar imagem recorrente no futebol, Dilma tem tudo para ganhar a eleição.

Se isto vai ser bom ou ruim para o país são outros quinhentos.

O momento atual de Dilma é preocupante para o círculo íntimo de sua operação política, que a essa altura deverá estar restrito ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, aos ministros Aloizio Mercadante, Gilberto Carvalho e Miriam Belchior, aos senadores Renan Calheiros e José Sarney e ao deputado Rui Falcão, presidente nacional do Partido dos Trabalhadores. Não esquecer o indefectível titular do Ministério do Marketing.

A avaliação positiva do governo e da pessoa da presidente tem caído segundo as últimas pesquisas de intenção de voto, ao passo que os candidatos de oposição – Aécio Neves e Eduardo Campos – crescem pouco, mas crescem. A probabilidade de segundo turno, remota há algumas semanas é hoje uma realidade quase certa. Somente uma reviravolta radical, e aí entra a vitória do Brasil, faria com que Dilma liquidasse a fatura.

É plenamente sabido que não se pode subestimar a capacidade de reação do governo (qualquer que seja), e o indício gritante está no procedimento cartorial do presidente do Senado na formação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), para esclarecer denúncias de má administração da Petrobras levantadas pela Polícia Federal. O massacre governista foi de tal monta que apenas três vagas da CPI couberam à oposição, que se recusou a indicar os senadores que deveriam integrá-la. Renan valeu-se de seu majestático poder e fez ele próprio as indicações, mas dois dos senadores oposicionistas as rejeitaram.

O presidente e o relator da dita comissão, os senadores Vital do Rego (PMDB) e José Pimentel (PT), governistas de quatro costados estão nos postos a serviço de Renan, exatamente para bombardear as mínimas chances que a oposição teria de se aprofundar nas investigações. A estratégia defensiva do governo é clara: evitar que as falcatruas cometidas por altos funcionários da Petrobras sejam abertamente expostas à sociedade, depois de escrutinadas no limite por uma comissão instituída segundo o regimento de um poder soberano que, entretanto, comporta-se com bovina submissão ao Executivo, no intuito de assegurar seu contributo para evitar que a encolhida perspectiva dilmista se torne irrecuperável.

Num gesto claro de retaliação a CPI incorporou a seus objetivos a investigação de subornos pagos pela Alstom a funcionários do governo de São Paulo e de obras financiadas com verbas federais no porto de Suape, em Pernambuco, estados governados por PSDB e PSB. É meridiana a intenção de criar obstáculos para os pré-candidatos Aécio Neves e Eduardo Campos.

Aliás, já que estamos falando de Pernambuco, bastaria à CPI deitar abaixo a muralha de suspeitas sobre a construção da refinaria Abreu e Lima, que o ex-presidente Lula, do alto de sua sapiência de doutor honoris causa de universidades européias que parecem ter perdido o senso do ridículo, acertou como num jogo de palitinhos com o falecido ditador bolivariano Hugo Chavez, sem que se saiba em que base.

O que se comenta agora (o jornal Valor Econômico deu a matéria na edição dessa quinta-feira) é que a refinaria Abreu e Lima começou a torrar os bilhões da viúva, liberados pelo BNDES, antes que os integrantes de seu conselho de administração tivessem conhecimento do Estudo de Viabilidade Econômico-Financeira da obra. A previsão inicial do custo era de R$ 4 bilhões chegando hoje a R$ 40 bilhões, segundo apurou o jornal paulista após a criteriosa leitura de 123 atas das reuniões do referido conselho entre março de 2008 a dezembro de 2013.

As ditas reuniões foram presididas pelo então diretor de refino e abastecimento da Petrobras, o doutor Paulo Roberto Costa (opa!), curiosamente preso pela Polícia Federal na operação Lava Jato. Outro aspecto relevante desse aranzel seria a revelação insofismável dos aportes financeiros porventura feitos pelo governo da Venezuela, que Lula escolheu unilateralmente para parceiro na construção de Abreu e Lima.

Sobre o mesmo assunto, vale lembrar o enervante périplo do deputado André Vargas (sem partido), que na quarta-feira cancelou o pedido de licença do mandato a fim de apresentar sua defesa perante o Conselho de Ética da Câmara. Aos raros aliados Vargas revelou também a necessidade de receber o salário de R$ 26.723,13, que ninguém é de ferro. O prego no sapato de Vargas é seu relacionamento próximo com o doleiro Alberto Yousseff, o mesmo personagem que a Polícia Federal apurou em gravações autorizadas pelo Poder Judiciário ter mantido rentável ligação pessoal com o solerte Paulo Roberto Costa, na promoção de vantagens financeiras advindas da suposta rede flagrada pelos policiais atraídos pelo mau cheiro das estrebarias da maior estatal brasileira.

Vargas está solitário na Câmara, esnobado pelos companheiros de bancada que referendaram sua indicação para a vice-presidência da Casa, e pelo próprio PT que aceitou seu pedido de desfiliação. Caso não o fizesse seria expulso e agora corre o risco de ser cassado. O cúmulo da situação vivida pelo político londrinense veio com a recente declaração do ministro Gilberto Carvalho, para quem Vargas “não é mais nem militante do PT”. A prolongada temporada no inferno ficou ainda mais intolerável com o óbvio cancelamento da coordenação da campanha da senadora Gleisi Hoffmann ao governo do estado, que por sinal passa por momentos de crescente desânimo.

Na época de nossos antepassados os espertalhões da política mineira diziam nas rodas da caninha e do pito de fumo de corda, que barriga de grávida, mineração e urna eleitoral, só abrindo para ver o que vai sair. Dilma saiu cedo de Minas para trilhar seus caminhos, mas é possível que tenha ouvido muita coisa sobre a prosápia de seus conterrâneos. Não se sabe, porém, se saberá usar a mesma ginga e a velha picardia das Alterosas.

Ungida como pré-candidata do PT na disputa do segundo mandato, forma de neutralizar a pressão do grupo que se dispôs a trabalhar pela volta de Lula, Dilma não ignora o tamanho do desafio que tem pela frente.

Com um saldo gigantesco de obras inacabadas e atrasadas, sem um grande projeto para chamar de seu, a presidente não pode sequer confiar no carisma ou no discurso condoreiro, qualidades que visivelmente estão ausentes de sua personalidade.

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