6:30Nós, os sem-celular

por Célio Heitor Guimarães

Já disse aqui e repetirei sempre que houver oportunidade: não tenho celular (que às vezes também é telefone) e não o terei enquanto viver. Talvez seja o único curitibano ou paranaense nessa situação. Sei que as operadoras e os fabricantes do aparelho pouco estão se lixando com isso, mas eu me sinto feliz assim e é o que me basta. Ainda que, sempre que revelo o fato, ao preencher, por exemplo, uma ficha cadastral, o atendente me olhe como se eu fosse um extraterrestre.

Agora, os noticiosos revelam que logo teremos mais aparelhos celulares do que habitantes na Terra, algo em torno de 7 bilhões. Em dezembro do ano passado, só o Brasil tinha 169 milhões de celulares, isto é 88,43 aparelhos para cada 100 habitantes. Coisa de louco! E me repergunto: como é que conseguiram viver tanto tempo sem celulares? Está certo: os pigmeus de Bandar usavam a linguagem dos tambores e os peles-vermelhas americanos sinais de fumaça. Mas e a gente, os caras-pálidas civilizados? O Império Romano e Napoleão avançaram mundo adentro sem celulares! Jesus andou pregando na Judeia sem celular! Aliados e nazistas entraram no tapa durante a II Guerra Mundial sem um único aparelhinho celular! E os encrenqueiros de sempre do Oriente Médio? Até bem pouco tempo, também. Hoje, não se vai nem até à esquina sem o talzinho na mão, no bolso ou na bolsa.

Rubem Alves, ao comparar os jovens às maritacas, desvendou o enigma dos adolescentes e, por tabela, a dependência do ser humano ao celular. Diz Rubem que, como as maritacas, os jovens andam sempre em bandos, porque uma maritaca solitária e um adolescente solitário são aberrações da natureza. “Daí o horror que os adolescentes têm de casa: em casa eles estão separados do bando” – pontua o mestre. E completa: “Havendo cortado o cordão umbilical que os ligava aos pais, eles o substituíram por outro cordão umbilical, o fio do telefone”. E como hoje telefone não tem mais fio, pelo celular.

Eis aí uma boa explicação. Se hoje ninguém (ou muito poucos) vive sem a companhia do celular; se hoje corre-se o risco de tropeçar nas mal traçadas calçadas das cidades ou ser atropelado no semáforo; se hoje não se consegue fazer uma refeição, assistir a um filme, a uma peça de teatro ou a uma partida de futebol sem tirar os olhos da telinha, a razão é simples: medo da solidão, pavor de ficar isolado, desconectado.

E aqueles casais que caminham juntos ou estão assentados em um banco da praça pública ou em uma cadeira da praça de alimentação dos shopping centers e que, em vez de conversarem entre si, passam o tempo todo, cada um, dedilhando em silêncio o seu celularzinho?! Bem, esses já ultrapassaram o limite da razão. Não por acaso dizem que os celulares fritam os neurônios.

Aliás, acho que os celulares já chegaram com esse propósito: imbecilizar o ser humano. Apresentados como moderníssimos veículos de comunicação, têm se prestado exatamente para o contrário. De posse de um aparelho celular, hoje sofisticadamente denominados de iPad, iPhone e Smartphone, ninguém mais conversa ao vivo, não lê, não se instrui nem se informa. Contenta-se com o superficial, com o descartável e com o inútil. E vai levando a vida. É a “estupificação coletiva”, como diria o artista plástico Antonio Veronese (sobre quem falaremos oportunamente; talvez já na próxima semana).

Por tudo isso e um pouco mais, não tenho nem terei celular. E acredito estar muito bem acompanhado. Por ordem alfabética: Alexandre (o Grande), Aristóteles, Beethoven, Bolívar, Buda, Cabral, Cervantes, Churchil, Cícero, Colombo, Confúcio, Da Vinci, Dali, Dickens, Edison, Einstein, Fernão de Magalhães, Fleming, Galileu, Gandhi, Getúlio, Goya, Graham Bell, Guttenberg, Jefferson, JK, Jesus, Kennedy, Lênin, Lincoln, Lutero, Luther King, Machado, Mao, Marconi, Marie Curie, Michelangelo, Nietzsche, Newton, Pasteur, Picasso, Portinari, Roosevelt, Salomão, Santos Dumont, Stalin, Tiradentes, Vespúcio, Vasco da Gama, Villa-Lobos e Voltaire, para citar apenas alguns nomes, nem sabiam o que viria a ser um celular. No entanto, mudaram o mundo. O já citado Rubem Alves, assim como Luís Fernando Veríssimo, Ariano Suassuna e Chico Buarque, também não têm nem pretendem ter o avançado equipamento.

Segundo a jornalista e escritora Vanessa Barbara, nós, os sem-celular, compomos o “combalido Grêmio Pan-Americano de Repúdio ao Celular, organização com fins lucrativos que se dedica a imprecar contra o aparelho de telefonia móvel”. No Brasil, os integrantes do grêmio são estimados em cerca de 37, com risco de diminuir.

Seríamos reacionários? É possível, mas pouco importa. O que importa é que não dependemos da geringonça para viver e não nos sujeitamos a rastreadores do governo/alienígenas/palhaços/grandes corporações que se prestam a manter os indivíduos sob controle e domínio – como afirma a Vanessa.

 

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Uma ideia sobre “Nós, os sem-celular

  1. Benhur

    O vídeo indicado abaixo é esclarecedor do lamentável momento que a Humanidade vivemos. Portanto, vale a pena destinar poucos minutos para admirá-lo na sua mensagem, não apenas assisti-lo. Faz parte deste contexto em análise, o maravilhoso texto de Marcelo Coelho, para o jornal Folha de São Paulo, de 11/04/2014, e que está neste endereço: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2014/05/1451590-o-fim-do-mundo-epistolar-o-que-perdemos-ao-abrir-mao-das-cartas.shtml.
    Nele, Marcelo mostra como o saudável e salutar hábito de escrever cartas desapareceu, e as razões disso. Como consequência, surgiu a mensagem eletrônica que, também, pode promover o exercício da boa e correta exposição de ideias. Mas, sequencialmente, e por causa da evolução tecnológica, esta, do filme, que nos leva ao distanciamento pessoal, também está em processo de extermínio.
    Restará, então, e quando ocorrer, a mensagem breve de texto, mastigada nas palavras e, principalmente, sem emoção, dos portáteis fáceis, descartáveis e impessoais que circulam aos bilhões por aí.
    Pensemos sobre o assunto e aonde vamos.
    http://youtu.be/WS_TyiTP0OA

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