7:33O lixo nas ruas de um país noiado

O lixo nas ruas não é nada se comparado ao estado das coisas em que o país sobrevive. A comparação pode ser um pouco forte, mas a impressão que se tem é que a nação está noiada, para se usar a expressão do que acontece aos usuários de crack ou cocaína quando, depois de colocar a droga para dentro do corpo, sentem a sensação de algo ruim vai acontecer, de que alguém vai agredir, entrar pela porta, flagrar no estado de torpor e fazendo algo errado. A diferença é que a nação não está drogada, mas boa parte continua anestesiada de uma forma ou de outra – e os privilegiados que tentam acompanhar o noticiário estão perdidos diante da avalanche de informações que reforçam este sentimento do destrambelhamento. Não é coincidência que isso fique mais visível num ano em que deveria ser o contrário, porque Copa do Mundo no país e de eleições para presidente, governadores e deputados. As piores previsões sobre a roubalheira na montagem do palco para o torneio de futebol foram superadas. A esculhambação generalizada, fruto da ganância das aves de rapina de sempre, fez com que os senhores desta entidade chamada Fifa, cuja história recente é crivada de falcatruas, se transformassem nos nhonhôs a ditar ordens, chutarem bundas e serem recebidos como reis da cocada neste eterno Bananão, para usar a expressão perfeita do saudoso Ivan Lessa. E quando olhamos o que se trama para as eleições que acontecerão logo depois dos jogos, o que vemos? O velho balcão de negócios para apoios a candidatos não tem mais a discrição de antes. É escancarado – e os negociantes, cada vez mais delirantes e sedentos, perderam a vergonha e mandam recados através de declarações na imprensa. Não há interesse no bem público, mas sim de se conseguir os melhores meios de ter acesso ao dinheiro e negociar com os parceiros da iniciativa privada a melhor fórmula de meter a mão no jarro. Se sobrar algum, vamos lá dar umas migalhas para a ninguenzada, para seus integrantes continuem bovinos como sempre – no olhar e nos gestos. Do outro lado do balcão aumenta a maioria conformada na própria ignorância, mantida por um sistema de educação que hoje produz  números significativos de frequentadores dos bancos escolares, mas, ao mesmo tempo, analfabetos funcionais que não conseguem juntar o lé do que escrevem e leem com o que aquilo significa. Os que acham que sabem das coisas tentam manipular esta maioria, mas fazem isso em causa própria, levantando a bandeira da ideologia que pode ser traduzida assim: somos contra, vamos fazer barulho, quebrar se preciso, mas que venha a nós um aumentozinho para a categoria e que nossos empregos (públicos ou não) sejam mantidos (e a aposentadoria também, no caso dos servidores). Quem está preocupado com o país? Na velocidade das informações o que salta aos olhos são casos como a da mulher baleada e arrastada no asfalto por um carro da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Essa tragédia absurda será explorada até o osso porque também serve de anestésico. É o fenômeno da expiação. Eu estou ferrado, sem saída, mas tem gente muito pior – basta olhar para os olhos daquelas oito crianças que ela cuidava no barraco da favela. E ao dar uma olhada de leve nos candidatos aos cargos do chamado Executivo, palavra que identifica o poder e também pode ser interpretada na pior forma possível, o que acontece? Quais as opções lá no alto e aqui na província? Alguém aí ouviu uma só palavra na boca dos pré-candidatos que pudesse sinalizar algum caminho de razoável tranquilidade? Não! Estão em guerra fraticida e não ligam para o que o povo da geral pensa disso, mesmo porque sabem que quem vai elegê-los não é a meia-dúzia de alfabetizados que se interessam em saber mais ou menos o que acontece de verdade no chamado andar de cima. Este confronto tem, sim, uma finalidade, descrita por alguém que já esteve lá, no caso, aqui: os grupos querem tomar conta do cofre – e quanto maior o orçamento, melhor. Para a ninguenzada que elege, portanto, nada melhor do a produção de campanhas políticas onde tudo é divino, maravilhoso e o futuro radiante. É para isso que pagam fortunas para os marqueteiros que, como diretores de filmes de ficção, são capazes de transformar, no vídeo, até a personalidade do candidato. E o povo engole, mesmo porque não tem senso crítico – e não tem culpa disso, é bom ressaltar. Um dos maiores exemplos desta “criação” é daqui mesmo. O então banqueiro José Eduardo de Andrade Vieira se transformou, ao custo de milhões e uma mais que criativa equipe, no “Zé do Chapéu”, homem do povo que era recebido nas cidades do interior como se fosse um artista global. Foi eleito senador, foi ministro duas vezes e… deu no que deu. É isso que vai acontecer depois da Copa. Se o Brasil ganhar, pior. Durante a disputa, talvez algumas escaramuças aconteçam, mas o Exército está pronto para colocar os tanques nas ruas para garantir que a bola role sem problemas. Nos quarteis, e fora dele, aliás, alguns fardados, os que lembram com carinho o golpe militar que completa 50 anos em 31 de março, estão com coceira porque enxergam um país em desordem unida. Querem mais? O lixo nas ruas, portanto, não é nada.

 

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