Recorte de foto de Wilton Junior/Estadão

Estou olhando para todos vocês e ninguém aí pode imaginar o que sinto. Sou um dos oito. Um dos oito criados por aquela mulher que todo mundo viu ser arrastada por uma rua do Rio de Janeiro depois de levar balaços só porque estava com o pão nosso de cada dia nas mãos. Não, não foi confundida pelos policiais. Nós somos o lado que ninguém vê e nem quer saber. Ficam com pena quando acontece uma desgraça dessa – e isso porque alguém filmou a barbaridade. Agora se perguntam se ela estava morta ou não quando foi descarnada pelo asfalto. O que importa? Ela foi assassinada pelas forças que se dizem do bem na luta contra o mal. Vivemos dentro de um espaço que deve ser menor que as dependências de empregada de um de vocês aí, mas temos dignidade. Ela nos ensinou isso com seu coração enorme, sua disposição no trabalho, seu amor. Num país que disfarça o racismo, que é desigual até o osso, onde quem tem dinheiro pode ser ladrão, assassino e vive impune, onde impera a lei do mais forte e poderoso, nós somos o quê? Aquela mulher que era nossa proteção, que era tão forte para nós, que nos protegia, virou um saco de carne e ossos furado, arrastado, como se fosse o lixo deste país que poderia ser tão alegre, mas é muito triste. Este meu olhar é de descrença, de incerteza, de medo. Este meu olhar é o de milhões de anônimos que não têm educação, saúde, saneamento, oportunidade para ser gente. Este meu olhar, se fosse possível, fuzilaria a insensatez, o descaso. Mas sei que ficarei apenas com ele e com minhas lágrimas.