7:10O escorpião e o sapo

por Ivan Schmidt

 

Para não desmoralizar a lenda do sapo e do escorpião, PMDB e PT e suas comissões de frente passaram da fase dos debiques e partiram para o confronto aberto no plenário da Câmara dos Deputados. Mal transposto o córrego, o sapo que havia oferecido o lombo para que o escorpião fizesse o trajeto sem se molhar, sentiu o ferrão do incômodo passageiro.

Pois o blocão concebido pela mente astuta do presidente da Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves (RN) e, meticulosamente azeitado pelo líder peemedebista Eduardo Cunha (RJ), um prego no chinelo de dona Dilma, conseguiu soldar maioria folgada entre as inúmeras bancadas da aliança, desferindo pesados petardos contra o governo Dilma Rousseff.

Horas depois de Dilma ter afirmado em Santiago do Chile, aonde fora para a posse da presidente Michelle Bachelet (“o PMDB só me dá alegrias”), em Brasília, o blocão aprovava a formação de comissão independente para acompanhar as investigações sobre supostas fraudes na Petrobras.

A foto publicada na primeira página dos grandes jornais na quarta-feira (12) mostrava entre o grupo eufórico com a vitória alguns líderes da oposição somada aos votos do blocão (Luiz Carlos Hauly e Ronaldo Caiado explodiam em gargalhadas), revivendo um vulcão que o governo julgava extinto.

No dia seguinte (quinta-feira) o blocão repetiria em dose cavalar a bordoada nas costas do governo, ao aprovar a convocação dos ministros Aguinaldo Ribeiro (Cidades), Manoel Dias (Trabalho), Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral) e Jorge Hage (Controladoria-Geral). Esses não podem alegar nenhuma desculpa para deixar de atender o chamamento, pois se trata de prerrogativa que a Constituição assegura ao Congresso, diante de contingências específicas.

Na lista de convidados estão Graça Foster (presidente da Petrobras) e os ministros Arthur Chioro (Saúde), Marco Antonio Raupp (Ciência e Tecnologia), Paulo Bernardo (Comunicações), Francisco Teixeira (Integração Nacional), Moreira Franco (Aviação Civil), Aldo Rebelo (Esporte) e Marcio Zimmermann (secretário executivo de Minas e Energia).

A maioria rebelde da Câmara formada por deputados de sete dos partidos da base aliada e um da oposição, foi reforçada com os votos dados pelo PSDB e DEM, obviamente interessados em criar dificuldades para o governo. Se alguém subestimava ou menosprezava a capacidade de arregimentação do líder Eduardo Cunha, deverá estar sentindo o efeito desagradável da mordida da pulga na orelha. Os ministros convocados deverão comparecer perante a Comissão de Fiscalização Financeira e Controle para dar as explicações apresentadas pelos deputados.

Mesmo que os ministros Paulo Bernardo e Gilberto Carvalho tenham se esforçado para considerar tudo normal e que o Congresso é, reconhecidamente, o espaço do diálogo e do entendimento, não conseguiram descartar nas entrevistas aos telejornais o visível mal-estar causado pela súbita demonstração de força vinda do outro lado da Praça dos Três Poderes.

A auto-estima da presidente Dilma Rousseff, reproduzida por assessores diretos diz que o blocão não vai “vingar”. Bem, pode haver alguma verdade aí porque PP e PDT já foram convencidos a retirar seu contingente do bloco independente. Só esqueceram de acrescentar que a tal auto-estima se estriba e, isso é claro como o sol do planalto central, na ameaça arrogante de alijar dos ministérios os partidos da base que se insurgirem contra os ditames palacianos.

O aspecto mais grave das convocações e convites a quase meio ministério, além de revelar um quadro de descontrole da ação governamental, está na pretendida investigação de suposto esquema de propinas pagas pela empresa holandesa SBM Offshore a funcionários e intermediários da Petrobras, a chamada jóia da coroa. O ministro Jorge Hage, responsável pela Controladoria-Geral da União (CGU) acha desnecessária a criação de comissão independente para investigar a Petrobras, inclusive com o deslocamento de deputados à Holanda, onde a tramóia teria acontecido.

Sem entrar no mérito da questão, a ida desse magote de eminências do governo federal ao Congresso deve servir para algo bem mais efetivo que aquele velho e inservível papo de aranha. E os deputados ficam investidos da responsabilidade de não aceitar tergiversações e meias verdades.

Depois dos dois mandatos de Lula e dos primeiros três anos de Dilma, justo no momento em que a presidente se prepara para conquistar o segundo mandato, a aliança PMDB-PT, que todos imaginavam ser a viga-mestra da estrutura político-partidária erigida pela lábia de Luiz Inácio, parece estar começando a se ressentir daquilo que os operários industriais conhecem bem: a fadiga dos materiais.

O governo não está bem e como um boxeador aturdido pela saraivada de pancadas na cabeça e no fígado, está sendo levado às cordas pelo adversário, no caso o PMDB, que rasga a fantasia de aliado para se tornar algoz. O passo é arriscado, pois se quiser retroceder em troca de cargos e liberação de emendas será sumariamente execrado em praça pública.

A condução política foi o lado mais catastrófico da sucessora de Lula, que acusou o golpe quando do afastamento do então ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, provavelmente o quadro a havia delegado por certo, o comando firme e eficiente da máquina governamental, sobretudo diante da hercúlea dificuldade de dar harmonia à atividade de um grupo com idéias tão desencontradas quanto o ministério nomeado pela presidente.

Tanto foi assim que nos primeiros meses do mandato Dilma enfrentou o dissabor de pedir de volta os cargos de uma farândola de ministros pelos quais Lula havia intercedido. Denúncias de corrupção, favorecimentos e as maracutaias mais escandalosas se sucederam com tal veemência que de Antonio Palocci a Carlos Lupi, passando ainda por figuras hoje mergulhadas no ostracismo, as frutas apodrecidas foram sendo caprichosamente lançadas fora do balaio.

Não será fácil para Dilma a remontagem da máquina avariada, ainda mais com a oposição repentinamente engrossada pelo desembarque mesmo virtual do PMDB e o aparecimento do blocão, que se tiver atuação proativa e não meramente de vindita será aplaudido pela massa.

Compartilhe

Uma ideia sobre “O escorpião e o sapo

  1. leandro

    Simplesmente a nota aqui exposta é a pura expressão do que acontece atualmente no Brasil, como na fábula do Escorpião e do Sapo, nós somos sempre o sapo, pois carregamos essa turma durante anos, em várias ocasiões, quer com votos como principalmente financiando todos esses nódulos administrativos criminosos que acorrem através dos tributos que pagamos e na maioria das vezes não temos o devido retorno. Bem escrita a matéria e com a propriedade de encaixar diretamente a situação que estamos vivenciando e principalmente sendo afogados por um sistema politico fracionado, desgraçadamente podre que deixa por onde passa o mal cheiro das sujeiras que fazem e este odor fétido somente a nós atinge.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.