por Sergio Brandão
Meu pai tinha uma expressão doce. Como também eram doces seu olhar, seus gestos, seu carinho e a fala. Mesmo quando tinha algo mais amargo para dizer, buscava um tom que adoçava tudo. Lembro de “não” mais doce que “sim”. É porque vinha com um meio sorriso e suavizava a decepção de quem lhe pedia algo que não podia atender.
Meu pai via coisas boas nas ruins. Pregava isso. Acho que foi isso que fez dele uma pessoa doce. Mas não era uma docilidade daquelas que enjoa. Era daquelas de acalmar a alma. De ser bom estar com ele. Às vezes só olhar sua expressão acalmava a gente. Ele não precisava falar.
Quando percebeu que o mundo não tinha nada de doce, começou a dizer que queria ir embora. Não demorou muito, se foi.
Olho as coisas que tocou, onde viveu, fotos, lembranças, música que gostava… tudo faz sentido com o que foi e fez.
A firmeza e a virilidade das composições de Beethoven ganhavam suavidade com ele. Porque também gostava de ouvir as sutilezas de Handel, Mozart, Bach e Albinoni.
A música clássica foi a trilha sonora que o acompanhou a vida toda. Aprendi esta sutileza com ele. Não a música tecnicamente. Não dominava as notas e nenhum instrumento. Até tentou, mas aprendeu música com os ouvidos e com o coração. Dizia que para quem não toca, a música só pode ser sentida por um coração apurado. Armazenou todo o conhecimento musical durante toda a vida aprendendo com o irmão mais velho que levou o clássico para dentro de casa com os primeiros acordes da Sinfônica do Paraná.
O que já era doce, então, ficou mais doce ainda – com trilha sonora e tudo o mais.