11:46A doçura do meu pai

por Sergio Brandão

 

Meu pai tinha uma expressão doce. Como também eram doces seu olhar, seus gestos, seu carinho e a fala. Mesmo quando tinha algo mais amargo para dizer, buscava  um tom  que adoçava tudo. Lembro de “não” mais doce que “sim”. É porque vinha com um meio sorriso e suavizava a decepção de quem lhe pedia algo que não podia atender.

Meu pai via coisas boas nas ruins. Pregava isso. Acho que foi isso que fez dele uma pessoa doce.  Mas não era uma docilidade daquelas que enjoa.  Era daquelas de acalmar a alma. De ser bom estar com ele. Às vezes só olhar sua expressão acalmava a gente. Ele não precisava falar.

Quando percebeu que o mundo não tinha nada de doce, começou a dizer que queria ir embora. Não demorou muito, se foi.

Olho as coisas que tocou, onde viveu, fotos, lembranças, música que gostava… tudo faz sentido com o que foi e fez.

A firmeza e a virilidade das composições de Beethoven ganhavam suavidade com ele. Porque também gostava de ouvir as sutilezas de Handel, Mozart, Bach e Albinoni.

A música clássica foi a trilha sonora que o acompanhou a vida toda. Aprendi esta sutileza com ele. Não a música tecnicamente. Não dominava as notas e nenhum instrumento. Até tentou, mas aprendeu música  com os ouvidos e com o coração. Dizia que para quem não toca, a música só pode ser sentida  por um coração apurado. Armazenou todo o conhecimento musical durante toda a vida  aprendendo com o irmão mais velho que levou o clássico para dentro de casa  com os primeiros acordes da Sinfônica do Paraná.

O que já era doce, então, ficou mais doce ainda – com trilha sonora e tudo o mais.

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