7:17PMDB, do centrão ao blocão

por Ivan Schmidt

 

Por certo os militantes históricos do Velho MDB de Guerra devem estar acabrunhados diante do comportamento atual do partido, um dos mais importantes da aliança que dá sustentação política ao governo da presidente Dilma Rousseff no Congresso, além de dirigir cinco ministérios e ter cargos de direção superior em várias estatais.

 

O espetáculo recém-encenado pelo deputado federal Eduardo Cunha (RJ), líder da bancada na Câmara dos Deputados, esperneando contra as desfeitas assacadas pelo governo ao partido, “que não é respeitado pelo PT” se fez acompanhar da bazófia do desembarque da aliança governista.

 

Pouco depois a opinião de Cunha já havia se transformado no “repensar” da aliança com Dilma para a reeleição, embora não tivesse poupado críticas ao deputado Rui Falcão (SP), presidente nacional do PT. “A cada dia que passa me convenço mais de que temos de repensar esta aliança, porque não somos respeitados pelo PT”, escreveu no Twitter.

 

Para a recomposição do ministério, a presidente Dilma terá de indicar novos titulares para o lugar dos que são candidatos, mas Eduardo Cunha defende a tese de que a bancada na Câmara pretende abster-se da indicação de nomes, além de ironizar: “Pode ficar tudo para o Rui Falcão”. Ressalve-se que Cunha referiu-se à bancada da qual é líder, única instância pela qual está autorizado a falar. Tal competência, quando restrita a esse âmbito não chega a ser grande coisa, porquanto não abrange necessariamente os senadores, governadores e, enfim, a própria direção nacional do partido casualmente presidida pelo vice-presidente da República, Michel Temer, mesmo que licenciado.

 

Contudo, a rastilho aceso em plena terça-feira de Carnaval pelo deputado fluminense, reconheceu o senador Valdir Raupp (RO), presidente em exercício do PMDB, poderá encaminhar a crise ao Senado “porque a situação está ficando insustentável”, numa referência à lentidão da reforma ministerial. Ademais, outro complicador apontado por Eduardo Cunha seria a antecipação da convenção nacional do partido, com o que Temer não concorda, diante das chances reais da aprovação do rompimento da aliança pela reeleição de Dilma.

 

Nesse ínterim a cúpula da pré-campanha de Dilma se reuniu em Brasília, incluindo a participação de Lula, em visível demonstração de que o tema causa preocupação num momento em que a vantagem da presidente sobre Aécio e Eduardo Campos nas pesquisas ainda se mantém, embora haja esperança para os candidatos de oposição de que a situação ora desfavorável venha a sofrer alterações nos próximos meses.

 

A diatribe de Cunha contra o presidente petista foi motivada também por uma ironia de Falcão quanto ao apetite do PMDB por cargos no governo. Cunha respondeu que a comparação não faz sentido, ao lembrar o que “o partido dele (o PT) fazia no Rio de Janeiro, doido atrás de boquinhas”. E numa alusão à suposta falta de tato político do deputado paulista, o líder do PMDB na Câmara disparou: “Aliás, por onde passa o Rui Falcão mais difícil fica a aliança”.

 

Outra vertente dessa ferina guerra de babuínos veio à tona com o anúncio da formação do “blocão”, reunindo 230 dos 513 deputados federais que se declaram insatisfeitos com o tratamento recebido do Planalto. A ideia do novo “centrão”, como já proclamam os jornais, veio do presidente da Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), que contou com o inestimável auxílio do líder Eduardo Cunha.

 

Para os mais jovens é bom lembrar que o “centrão”, de lamentável atuação e triste memória, foi montado na vigência da Assembleia Nacional Constituinte por um grupo de parlamentares da direita conservadora – até monarquistas havia entre eles – para criar dificuldades e obstaculizar os avanços progressistas pretendidos pelos demais constituintes.

 

Na época da Constituinte, promulgada em 1988, a melhor definição do PMDB, cunhada por Fernando Henrique Cardoso, era a de “partido-ônibus”, já que na maioria dos estados foram escancaradas as portas para a filiação de aventureiros e proxenetas políticos de todos os matizes, dentre os quais pontificavam notórios serviçais da ditadura e processados pela Justiça.

 

O agrupamento fisiológico tende a se repetir agora no “blocão” – no qual a bancada do PMDB está representada – com a orientação de reviver os impasses nas votações de interesse do governo. Se a nuvem não se dissipar em breve e tudo não passar de mais um palavrório vazio, como parece, a presidente Dilma Rousseff provavelmente terá de calçar as sandálias da humildade (coisa a que não está acostumada) e confiar ao vice-presidente Michel Temer a espinhosa tarefa de acalmar o reduto peemedebista.

 

Aliás, quanto à nomeação dos novos ministros do PMDB a presidente revelou que não aceitará nenhuma das indicações de Eduardo Cunha, vetando o primeiro nome ventilado para o Ministério da Integração Nacional, o senador potiguar Vital do Rêgo. E as demais indicações deverão chegar à presidente com a rigorosa chancela de Michel Temer. É o mínimo que Dilma poderá fazer para refrear o cartorialismo da bancada federal do PMDB, evitando tornar-se refém de um grupo integrado pelo chamado baixo clero, cuja sanha por cargos e liberação de emendas transformou-se na moeda de maior valor corrente no Congresso Nacional.

 

O problema, no entanto, é que a autoridade da presidente da República sofreu sério desgaste ao longo desses três anos de mandato, apagando quase por completo a imagem hiperbólica de mãe disso e daquilo com a qual o ex-presidente Lula a apresentou ao país. É lógico que a palavra presidencial deve ser respeitada sempre, muito embora aos circunstantes seja assegurado o direito democrático ao contraditório. Assim, muitos parlamentares do PMDB e dos demais partidos da aliança sentem-se estimulados a questionar a forma como o governo trata suas demandas pessoais ou partidárias ameaçando com o voto contrário, sua arma mais letal.

 

Nenhum desses argumentos, porém, encobre a fisiologia da atual representação do PMBD no Congresso, com as raríssimas exceções de praxe. Um processo corrosivo incrustado num partido engrandecido pelo destemor com que enfrentou o regime militar e, que apesar de todos os golpes baixos sofridos ao longo dos anos de chumbo e as inúmeras cassações de mandatos de expressivos líderes, resistiu e lutou sem esmorecimento pela redemocratização.

 

Os jornais da época diziam que o presidente Ernesto Geisel tinha ataques de urticária toda vez que o deputado Ulysses Guimarães subia à tribuna para discursar. Por ali passaram também Oscar Pedroso Horta, Adauto Lúcio Cardoso e Mário Covas. Na outra Casa, todos calavam ao ouvir a voz de Paulo Brossard, Franco Montoro e Teotônio Vilella, como hoje silenciam quando o senador Pedro Simon pede a palavra.

 

É uma insensatez comparar esses homens ilustres com a malta de ventríloquos de hoje.

 

 

 

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2 ideias sobre “PMDB, do centrão ao blocão

  1. Tanso

    “Acabrunhados”??? Desisti de ler o texto na primeira frase. Essa corja do PMDB, que nada mais é do que “O” câncer da política brasileira (sempre estão por trás de todas as falcatruas e conchavos), não se acabrunha por nada.
    sds. a todos.

  2. Célio Heitor Guimarães

    Era o “MDB velho de guerra”, do qual falava Requião, hoje também submisso ao comando do “Mordomo de Filme de Terror”, na feliz designação de Toninho Marvadeza. Lembram-se dele?
    Quanto a Simon, grande figura, é um autêntico estranho no ninho.

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