7:35Ainda Antônio, o bom Maria

por Célio Heitor Guimarães

 

Ao desembarcar pela segunda vez no Rio de Janeiro, em 1948, o bom Maria já constituíra família. Casara-se em 44 com Mariinha Gonçalves Ferreira, filha de um usineiro cearense, e com ela tinha dois filhos, Rita e Antônio Maria Filho. Aí já podia se considerar jornalista, com crônicas publicadas no Recife, mas continuava, sobretudo, homem de rádio. Fora locutor na Rádio Clube do Ceará e assumira por algum tempo a direção das Emissoras Associadas na Bahia.

 

“Nunca mais vou fazer / o que o meu coração pedir / Nunca mais vou ouvir / o que o meu coração mandar / O coração fala muito / e não sabe ajudar… Eu fiz mal em fugir / Eu fiz mal em sair / do que eu tinha em você / E errei em dizer  / que não voltava mais… Meu lugar é aqui / Faz de conta que eu não saí”

Dessa feita, Maria faria um pouco de tudo no Rio: programas de rádio, locução esportiva, roteiro de shows, jingles, produções para a TV e crônicas no jornal – primeiro, no Globo; depois, em Última Hora. Descobriria ali, também, o talento que tinha para compor algumas das mais belas canções da música popular.

 

O curioso é que, mesmo sendo um gozador nato, capaz de passar os mais criativos trotes nos amigos e inimigos, quase toda a produção poética do bom Maria foi marcada pela melancolia, pela amargura, pela solidão, por amores não correspondidos e pela dor-de-cotovelo.

“Ninguém me ama, ninguém me quer / Ninguém me chama de meu amor / A vida passa, e eu sem ninguém / E quem me abraça não me quer bem…”

 

Maria instalou a família no Jardim Botânico. Mas, ao mesmo tempo, morou com a atriz Yolanda Cardoso, em Ipanema, e com a secretária Lygia Andrade, no Leblon. Como brigava muito com todas elas, cada dia mudava de uma casa para outra, quando não dormia na casa de um amigo. Mas ele reinava mesmo era em Copacabana, que na época não passava de um bairro de classe média, enquanto o Rio fervia no Centro, na Lapa, no Mangue e na Praça Mauá.

 

Pois o pernambucano Antônio colocou a noite de Copacabana no mapa da cidade e a deixou registrada para a eternidade, nos anos dourados de 50 / início de 60. Tinha, então, um Cadillac, um enorme Cadillac preto, a bordo do qual percorria toda a orla atlântica, do Leme ao Posto 6, no raiar da madrugada. Quase sempre bem acompanhado.

“Manhã, tão bonita manhã / Na vida, uma nova canção / Em cada flor, o amor / Em cada amor, o bem / O bem do amor faz bem / Ao coração…”

 

Maria se dizia feio. Certa vez, dedicou uma crônica aos homens feios do Brasil. “Sendo um deles” – escreveu –, “posso falar com autoridade, em nome da classe. Fiquem certos, colegas, de que não há nada mais sem graça do que um homem bonito. São chatíssimos. Os verdadeiros canastrões da vida real!”.

 

E provocava: “As mulheres já não os suportam e se bandeiam, aflitas, para nós, que somos confortavelmente feios, encantadoramente feios, venturosamente feios”. E citava, como exemplo, o magrela Frank Sinatra: “É feio, mas não há homem que dê mais sorte com mulher, no mundo inteiro”.

 

Como Sinatra, Maria não era um homem bonito. Grande e desajeitado, não podia ser apontado como exemplo de beleza masculina. Mas era um sedutor irresistível e namorou algumas das mais belas mulheres deste país, às quais conquistava com o que melhor tinha: a conversa.

 

Foi assim que aconteceu com Danuza Leão, uma das mais chiques, bonitas e cobiçadas mulheres do Rio de Janeiro, que o gordo Antônio Maria tirou do marido Samuel Wainer, por acaso dono do jornal Última Hora e seu patrão. Perdeu o emprego, claro. Mas isso foi o que menos o importou.

“Em cada verso meu / Eu procurei o teu caminho / e o teu amor / E cada verso meu foi como um grito / Chamou teu nome sem ninguém saber… Vem sem medo, meu amor / Meu carinho é fácil de encontrar / Vem hoje, há luar no céu…”

 

Antônio Maria conquistou Danuza em 1961 e com ela e os três filhos dela viveu durante dois anos e meio em um apartamento na Fonte da Saudade. O período em que ele foi mais feliz. Afastou-se da bebida e das noitadas. Nos fins de semana, o casal botava as crianças – as três dela e as duas dele – em uma kombi e viajava para Cabo Frio ou Petrópolis. Uma época de amor intenso.

 

Com o golpe de abril de 64, Samuel Wainer foi um dos primeiros a deixar o Brasil e exilar-se em Paris. Danuza não achou justo deixá-lo só lá fora, sem a companhia dos filhos, e foi ao encontro do ex-marido. Maria sentiu o golpe.

 

“As suas mãos, onde estão? / Onde está o seu carinho?/ Onde está você? Se eu pudesse buscar / Se eu soubesse aonde está /Seu amor, você…”

 

Sem prumo e sem rumo, o bom Maria, então em O Jornal, ficou dois meses sem escrever. Em maio, segundo o biógrafo Joaquim Ferreira, escreveu apenas um bilhete ao amigo com quem morava: “Se me encontrares dormindo, deixe. Morto, acorde-me”. Em julho, ressurge das cinzas e se reapresenta aos leitores em uma crônica tida hoje como antológica: “Com vocês, por mais incrível que pareça, Antônio Maria, brasileiro, cansado, 43 anos, cardisplicente (isto é, homem que desdenha do próprio coração). Profissão: Esperança”.

 

A “cardisplicência” o mataria três meses depois. Na entrada do bar Rond Point. Em Copacabana e em plena madrugada, é claro. Tinha acabado de compor, com Paulo Soledade, a sua derradeira canção: “Perdão por Tanto te Amar”, também conhecida como “Só, Só, Só”. Não é difícil descobrir a quem se dirigia.

 

“Perdão por tanto te amar, perdão por mim / Perdão por meu bem querer, tão grande assim /Se em minha vida fiz mal fiz mal a mim / Perdão se um dia eu morrer sem te esquecer /Ao te encontrar me perdi em teu amor / Ao te perder me encontrei em minha dor…”

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