7:37A democracia sem povo

por Ivan Schmidt

 

Li há alguns dias num de nossos diários que o governador Beto Richa estaria tendo dificuldade para encontrar o substituto do secretário-chefe da Casa Civil, Reinhold Stephanes, que deverá se afastar da função para tentar seu enésimo mandato na Câmara dos Deputados.

A especulação momentânea dizia que Beto talvez convidasse o secretário Edson Casagrande (Assuntos Estratégicos) – que por sua vez também estaria de olho numa cadeira na Assembleia Legislativa. A percepção, porém, era que Casagrande não teria como desatender o apelo da chefia e, assim, como colaborador diligente não teria problemas para assumir a Casa Civil onde passaria a ter, inclusive, maior visibilidade.

Nas últimas horas, entretanto, passou-se a cogitar da possibilidade do governador resolver a questão mexendo em peças de seu tabuleiro pessoal. Ou seja, o atual secretário da chefia de gabinete, Deonilson Roldo (nesse governo todo mundo é secretário) seria deslocado para a Casa Civil, ficando mais fácil a indicação de outro assessor para a vaga aberta.

Além disso, comentou-se que Beto agregaria à Casa Civil as atribuições da Secretaria de Governo, cujo titular é também candidato, com o que passaria a contar com uma megaestrutura de inteligência e ação, aliás, um ideal já sonhado pelos governantes desde os dias em que Maquiavel se aventurou a escrever suas digressões.

Tenho informações seguras (mesmo informais) dando conta que o jornalista Deonilson Roldo é o verdadeiro motor do gabinete de Beto Richa, o primeiro a chegar e o último a sair, além da bateria de ligações que nos feriados e finais de semana congestiona seus dois ou três telefones celulares. É óbvio que a essa altura, depois de três anos de governo, Deonilson tenha na cabeça o quem é quem da administração estadual, além do mapa criteriosamente desenhado dos diversos setores com seus altos e baixos e, mais, quem veste efetivamente a camisa ou apenas joga para a plateia.

Essas credenciais fariam de Deonilson um eficiente chefe da Casa Civil, ainda mais num momento complicado do mandato de Beto, que logo estará em campanha pela reeleição. Mas é viável lembrar em relação a Deonilson, que ele provavelmente tenha em meio ao batalhão que vegeta nos vários escaninhos da governança muitos adversários e detratores, que tudo farão para impedir sua ascensão.

Na verdade, a nova configuração do secretariado parece ser a grande preocupação imediata do governador, que por esses dias tenta encontrar o substituto do procurador Cid Vasques, ex-secretário da Segurança Pública, devolvido ao Ministério Público Estadual. Beto havia feito o convite ao delegado José Iegas, da Polícia Federal, embora o servidor não tenha sido liberado pelo ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) sob uma alegação tipo pronto falei.

Beto teve um contratempo com o Ministério Público Estadual quanto ao secretário Cid Vasques, que fazia um bom trabalho no combate à criminalidade, mas obrigado pelas normas legais a retornar aos quadros da Procuradoria de Justiça. Até o momento em que escrevo o nome do titular da pasta não havia sido anunciado. Talvez este tenha sido um dos motivos que levaram o governador a pedir breve período de licença no Carnaval, sem revelar para onde irá, correndo também o papo que o homem está injuriado pelos constantes vazamentos sobre sua conduta pessoal.

Meu amigo Josef Nório Sculhoff que está de férias em Kiev, dono de um mau humor invejável botou mais um caroço nesse angu. Mesmo sob ameaça de ser alvejado por um dos temidos franco-atiradores conseguiu esgueirar-se até um orelhão e, atrapalhado pela estática da ligação de longa distância, berrou que o novo secretário da Segurança é café pequeno para o governador. “Café pequeno?”, perguntei. A resposta lacônica foi interrompida abruptamente: “Claro, não é para isso que o Ezequias Moreira está sempre de plantão?”…

Pois é, se o governador enfrenta dificuldades para substituir o chefe da Casa Civil e, de cambulhada, o gestor da área policial e zelador da segurança da cidadania, que dizer das demais vagas a serem abertas em breve no secretariado com a exoneração de uma batelada de titulares, cuja missão na face da terra é arrostar todos os sacrifícios e renúncias para se colocar à disposição da sociedade, suplicando humildemente em nome do extraordinário trabalho realizado, alguns milhares de sufrágios agradecidos?

Num cálculo rápido, além de Reinhold Stephanes, são candidatos à ALEP ou Câmara dos Deputados, os atuais secretários Ratinho Junior (Desenvolvimento Urbano), Cesar Silvestre (Governo), Ricardo Barros (Comércio e Indústria), Luiz Claudio Romanelli (Trabalho), Evandro Roman (Esporte), Michele Caputo Neto (Saúde) e Luiz Eduardo Cheida (Meio Ambiente). Quem o governador Beto Richa indicará para essas vagas?

A pergunta pode ser um tanto impertinente, mas obrigatória diante do que se proclama sobre as agruras do chefe do Executivo na resolução da simples tarefa de preencher duas vagas no secretariado. Como fazer, então, para escalar ao menos sete novos secretários, acenando-lhes com a pouco atrativa perspectiva do emprego temporário?

A tese é cabível, porque em sã consciência Beto dificilmente assumiria o compromisso de manter os colaboradores escolhidos agora num virtual segundo mandato. Assim, é quase certo que uma esquadrilha de diretores gerais ou chefes de gabinete passe a ocupar as cadeiras de seus atuais chefes, quem sabe, guardando fielmente os lugares para que todos (ou a maioria) voltem lampeiros no início do próximo ano. Claro, se Beto emplacar mais uma temporada no Iguaçu.

A dificuldade do governador se deve em grande medida à fragilidade atual dos partidos políticos brasileiros e da absoluta ausência de quadros. Coisa que nenhum partido se preocupa em formar, dando preferência à filiação de delegados com direito a voto nas convenções municipais, estaduais e federal, porque é isto que verdadeiramente tem peso nas contas de quem controla o partido e quer sempre estar por cima.

Num momento como esse, o diretório regional do PSDB já deveria ter colocado na mesa do governador uma lista com os nomes mais indicados para o preenchimento das vagas no primeiro escalão – a ele logicamente reservada a prerrogativa da escolha. Nomes egressos da própria atividade partidária, dos meios empresariais, das profissões liberais, da universidade e dos movimentos de trabalhadores, forçosamente deveriam aparecer nesse rol. O que se vê, no entanto? Nenhuma manifestação da sociedade organizada, mesmo porque ela não se faz representar na fieira de partidos existentes hoje e deles se considera alijada sem nenhum pesar.

A impressão fica ainda mais forte ao se observar o distanciamento da sociedade em relação ao governo, qualquer que seja sua instância. Um fruto amargo do que precariamente se pode chamar de modelo político derivado dos 21 anos do regime autoritário e, por mal dos pecados com a decepcionante experiência de suportar Sarney e Collor. O resultado foi a gradativa redução da participação dos cidadãos na vida interna dos partidos. Quem já ouviu falar, ou conhece alguém que se dê ao desfrute de freqüentar reuniões partidárias?

Os governos e a sociedade são entidades que não se misturam e fingem que não se conhecem. Quem governa se agarra a grupos cada vez mais seletivos de áulicos e interessados na repartição de vantagens pessoais ou grupais. E a sociedade reclama que tudo está errado, mas continua pagando as contas do Estado perdulário.

A política brasileira conseguiu parir em poucas décadas o antípoda da genial criação dos gregos: a democracia sem povo.

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4 ideias sobre “A democracia sem povo

  1. Estatística

    Votar no Stephanes prá quê? Já sabemos que ele não vai ficar na câmara. Vai assumir um cargo qualquer em qualquer governo. Voto desperdiçado.

    Votar em deputado que deixa a Câmara ou a Assembléia para ser ministro ou secretário é desperdiçar voto.

    É só lembrar do Vassio Taniguchi, eleito deputado federal que nunca foi à Câmara: virou secretário em Brasília, que não deu nenhum voto.

    Ou o Greca, que virou ministro da nau furada depois da maior votação do estado.

    Pense bem antes de votar.

  2. sergio silvestre

    No caso do nosso governador ele vai precisar de um especialista e um padre.
    Um para tentar ressussitar e o outro por vias das duvidas dar extrema unção;

  3. ODILE ROMANOFF

    Companhêro IVAN . Perfeito como sempre.
    Por tudo o que disse, o governo Richa 2 acabou.
    Portanto, alguém tem que avisar o atual ocupante do Iguaçu.

  4. Zangado

    Ivan – suas 4 ultimas sentenças deveriam ser gravadas em granito e colocadas no marco zero dos 5656 municípios do Brasil, das capitais dos Estados e em Brasília ! Parabéns pela brilhante conclusão!!

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