7:10Gigante, adeus

maringasgigante

Antonio Gilberto Lago, o Gigante – Foto de Maringas Maciel

 

Foi na noite fria de um tempo distante que nos encontramos numa mesa do Kapelle, bar da querida Mara. Ele nunca me chamou pelo nome, mas sempre de “véio”, como, acredito, fazia com todos os conhecidos. Era mais velho do que eu, soube só agora, mas conservava a eterna criança à flor da pele da alma. Por isso havia sintonia, mesmo que os encontros nestes mais de trinta anos curitibanos tenham sido esparsos. Naquela madrugada fria, naquela mesa de bar, onde agora ele será uma lembrança, estava outro amigo em comum, desses que não precisamos ficar nos encontrando sempre, mas que guardamos no coração por saber ser humano: Paulo Roberto Marins. Até há pouco não conhecia o nome de registro do Gigante, e agora confirmo nos jornais junto com a notícia aterrorizante. Era Antonio, era Gilberto, era Lago. Naquela noite, no meio da conversarada azeitada com cerveja (me dou conta que faz tempo, pois há 23 anos não bebo por motivos de alcoolismo), o menino Gigante nos convidou para dar um pulo na casa dele, que ficava ali mesmo na outra quadra da rua Saldanha Marinho. Fomos. Ele colocou um disco na vitrola, sem mostrar a capa do LP, e pediu que eu identificasse o guitarrista. Gigante era roqueiro – ele sabia que o ouvinte aqui também. Vodoo Chile tomou conta da casa antiga, da rua, da cidade, do Estado, do Brasil, da Terra, do Galáxia e eu, querendo dar uma de sabichão, tasquei: “É o Jimi Hendrix”. Ele disse: “Não”. Eu retruquei: “Não existe ninguém que toque nem parecido com ele”. Ele disse: “Tem sim”. Então apresentou meu novo ídolo, mostrando a capa do disco “Couldn’t Stand the Weather”, o segundo de Stevie Ray Vaughan. Foi um dos grandes presentes que ganhei na vida e que será guardado aqui comigo, para sempre, com os acordes de todos os discos do grande guitarrista que também partiu cedo demais – e agora toca em sessão particular para o Antonio Gigante em algum lugar que existe antes da vida e depois da morte. Eu encontrava o menino Gigante assim, de repente, do nada, na cidade onde as pessoas ficam sem se ver durante anos e, de repente, ao dobrar uma esquina… Que felicidade! Outra noite e ele apareceu de repente no meio de uma festa que fiz no salão da academia de ginástica de outro grande amigo do mesmo estilo, o Carlos Mosquera. A último encontro, se a memória não falha, foi quando, ao entrar na agência do banco Itaú do Bacacheri, dei de cara com Aladim Luciano, outro que guardo no peito não só como craque da bola. De repente, enquanto conversávamos ali no saguão, ouvi alguém gritar meu nome. Era o Gigante. Eu perguntei o que estava fazendo naquela mesa – e de paletó e gravata! “Eu sou o gerente!”, respondeu. Como eu ia saber que ele trabalhava há anos em banco! O que me interessava é que o Gigante sempre tinha um sorriso no rosto e na alma nos nossos encontros. E o presente que tinha me dado… Repassava essa história para quem se interessava por música – e um que agradeceu a “descoberta” foi outro que já se foi e ficou para sempre: o jornalista Pedro Franco Cruz. A vida e a morte. O poema de João Cabral de Melo Neto com  o galo cantando e tecendo a manhã. Meus amigos dos encontros esporádicos tecendo a rede que sustenta a existência e que nos faz torná-la mais leve. Mesmo que ela, como agora, tenha sido tão brutalmente atingida na forma violenta que levou o menino Gigante. Porque essas pessoas nunca partem. Estão ali, esperando para uma nova conversa na mesa do bar no meio de uma madrugada qualquer. E quando nos vêem, abrem um sorriso e nos presenteiam – porque assim são os encontros que fazem a vida valer ser vivida. Amém.

 

 

Um galo sozinho não tece uma manhã: 
ele precisará sempre de outros galos. 
De um que apanhe esse grito que ele 
e o lance a outro; de um outro galo 
que apanhe o grito de um galo antes 
e o lance a outro; e de outros galos 
que com muitos outros galos se cruzem 
os fios de sol de seus gritos de galo, 
para que a manhã, desde uma teia tênue, 
se vá tecendo, entre todos os galos.

 

E se encorpando em tela, entre todos, 
se erguendo tenda, onde entrem todos, 
se entretendendo para todos, no toldo 
(a manhã) que plana livre de armação. 
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo 
que, tecido, se eleva por si: luz balão. 

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23 ideias sobre “Gigante, adeus

  1. Carlos Alberto - Betão

    Tive a honra e o prazer de conviver com o Gigante. desde os tempos da Chave ,passando pelas peladas na Wenceslau Brás até recentemente ( semana passada no Bar do Dante) Como ele, fui bancário por 30 anos. Inúmeras histórias e estórias, Durante o show dos Stones no Pacaembu(SP_ estava eu absorto pelo estádio…quando surge à minha frente a figura impar do véio…. Ontem à noite passei pelo Dante….estava faltando alguém na mesa 1…….e agora …sempre faltará, Vá com Deus, GIGANTE.

  2. Freddy Branco

    Lembro deste menino Gigante balançando sua longa cabeleira na decada de 70, em alguns Clube dos Sargentos e Subtenentes, em alguns shows no Circulo Militar “Palacio de Cristal”, na rua Solimoes, sempre ouvindo o que tinha de melhor em Rock’n Roll (sabia muito desta matéria), tbm do futebol de sabado a tarde na Vila Lindóia, coração de menino, a muito nao o via e daquelas coisas que nao conseguimos explicar, na terça feira última, dia 25, nos encontramos na Trajano, hora do almoço, aquele sorriso do outro lado da rua, demoramos um pouco para nos reconhecer, mas no instante seguinte veio aquela famosa “e aí véio” e aí Gigante, trocamos poucas palavras, me lembrou com alegria do niver do nosso amigo Marins e nos despedimos…não fazia idéia que seria um adeus ou quem sabe um até breve, vá em paz meu véio…

  3. Jadson A

    Não conhecia ele pessoalmente, mas esse texto tá de um jeito que não tem como não se emocionar imaginando. Baita homenagem Zé. Ou melhor, ‘véio’!

  4. Jeremias

    Belo texto, ZB!

    Tive também ótimos papos com o Gigante (e aí, véio?), figura querida dos bares do centro da cidade, do Bife, do Kapelle, …
    Também gostava muito de Superagui, onde tinha uma casa próxima da Pousada do Carioca, se não estou equivocado.
    Fazia tempo que não o via, até porque já não vou a bares. Penso que a última vez que ouvi o “e aí, véio?” foi no enterro do Ivo, do Blindagem, onde conversávamos enquanto pétalas lançadas de um helicóptero caiam sobre os ficantes e o partinte.
    Adeus, Gigante! Você sempre fez parte do que Curitiba tinha de melhor.

  5. Carlão Gaertner (Carlos Augusto Gaertner)

    Querido Gigante ( Antonio Gilberto Lago Lago): Acabei de receber um telefonema do Orlando Azevedo me informando sobre o que aconteceu com você, que foi vítima de um ato covarde e de uma violência e selvageria indescritíveis. Todos nós, os seus amigos do peito e do coração, que tivemos o prazer e a alegria de desfrutar de tua amizade, estamos chocados é órfãos meu querido ‘irmão de sangue’ e companheiro de muitos momentos memoráveis. Ao longo de toda a trajetória d’A Chave, desde os anos 70, você sempre esteve presente como fã, amigo e incentivador da nossa banda. Espero que esse crime infame não fique impune e conclamo as autoridades do setor de Segurança que façam o possível e o impossível para descobrir os culpados deste crime bárbaro, que tirou a vida de uma pai de família, de uma pessoa do bem e que era dona de um “Coração Gigante” – como você também era chamado e conhecido pelos teus amigos – que estava sempre transbordando e compartilhando alegria com todas as pessoas com quem você se relacionava. Estou chocado e triste e só posso dizer: Descanse Em Paz, Amigão. O Paraíso com certeza está mais alegre com a tua presença no plano espiritual. Um grande abraço e um beijão no teu coração Gigante querido. – De seu eterno amigo e parceiro Carlão

  6. Gigi

    Obrigada Zé. Vou guardar o texto junto com as lembranças carinhosas daquele que foi o pai dos meus filhos. Quero que eles leiam isso muitas vezes e guardem pra sempre para saberem o quanto especial era esse pai criança que tão violentamente seifaram da vida deles. Valeu véio!

  7. Vinhoski

    Conheci o Gilberto no ambiente mais inusitado que possa existir, numa repartição pública.

    Estranhei a atitude dele inicialmente, pois destoava da imensa maioria dos cargos comissionados que conheço e conheci desde que cá estou: não era arrogante; sem soberba; semblante alegre; gentil; a pior tarefa era para ele somente mais uma tarefa.

    Ao contrário de outros cargos comissionados, não era esquivo, e tampouco dava “carteirada”. Tinha uma postura humilde mas magnânimo; respeitoso, mas não impositivo. É bem capaz, pensei, que tivessem errado o cara para ser nomeado para o cargo.

    Lamento muito não poder ter tido a oportunidade de conhece-lo melhor.

  8. Elizabete Carlos

    Neste momento palavras perdem o sentido diante das lágrimas contidas nas saudades que iremos sentir!
    O apelido já dizia tudo GIGANTE ! Fique com Deus porque hoje o céu ganha mais uma estrela!!!

  9. admin Autor do post

    carlão, em outra nota informei que a polícia prendeu hoje de manhã os assassinos. eles confessaram o crime. abraço. saúde.

  10. Wladimir

    Gigante Cara Gigante! Sempre alegria! Vá com Deus e com teu amigo e “cumpadi” o Ivo Rodrigues pai da Anginha Angela.

  11. Gilberto FRAGOSO

    Hoje pela manhã recebi a triste notícia do falecimento deste amigo querido.
    Também conhecido por “JESUS”, esse Gigante nos abandonou de uma forma trágica.
    Hoje entregamos nas mãos do Altíssimo nosso amigo Jesus, e oramos para que Ele o acolha com o mesmo sorriso que esse Gigante sempre tinha ao nos encontrar. Que Deus também cuide e conforte a sua família.
    VAI COM DEUS AMIGO JESUS!!!

  12. JUCIMARA DE FATIMA BACIL

    !PRECISO FALAR ISTO GIBA! |não tive o prazer de conhecer pessoalmente, porém parece que convive muitos anos|………………………………………………………………………………………………………………………POIS É VÉIO! TUA VEZ CHEGOU SEM SENTIDO, SIMPLESMENTE, INESPERADAMENTE E INEXPLICÁVELMENTE! PARA NÓS HUMANOS: NÃO HÁ SENTIDO, PARA DEUS HÁ UM PROPÓSITO! PORTANTO FAÇA O FAVOR DE CONTINUAR OLHANDO PARA TODOS QUE AQUI ESTÃO SENTINDO SAUDADE TUAS E FAÇA O FAVOR DE ABRANDAR A DOR NO PEITO DA SAUDADE QUE DEIXOU NOS SEUS PEQUENOS GIGANTES E NA SUA GIGANTE MULHER: GIGI!!!! SIGA TEU CAMINHO EM PAZ! VOCÊ SERÁ MAIS UMA ESTRELA RELUZENTE NESTA IMENSIDÃO DO CÉU A BRILHAR!!!!! ESTE TEU SORRISO LARGO JAMAIS SERÁ ESQUECIDO POR TODOS QUE AQUI ESTÃO E A CERTEZA QUE UM DIA TE ENCONTRARÃO! ATÉ BREVE! SIGA EM PAZ!

  13. francine

    Pouco tempo que eu vivi junto com ele sempre foi uma pessoa muito legal e digino de um caráter e sempre com um respeito,tive o prazer de ver como ele era um pai nota dez e sempre estava com um sorriso grande e também gostava de futebol vai com Deus seu Gigante vai deixar muitas saudades e um tricolor mas lá no céu o senhor estará torcendo..

  14. Augusto Adolfo Borba (Pupo)

    Jogávamos bola na Wenceslau Braz e ele sempre trazia muita alegria para todos nós. Muito tempo depois o encontrei já mais velho e mais sério, mas sempre muito alegre e carismático. Vai fazer falta meu querido.

    Pupo

  15. ZILA E ALVARENGA

    Gigante, meu querido, estamos muito triste…. Mas com certeza, o ceú está alegre, porque era assim que vc vivia. Vamos sentir muito a sua falta. Que Deus esteja com vc. e que ele amenize a dor de seus filhos e amigos. Estaremos sempre rezando. Adeus, nosso amigo querido.

  16. Max

    Conhecia o Gilberto através do seu ultimo trabalho, uma ótima pessoa.. muito gente boa e fiquei muito triste com o acontecimento, compartilho da dor dos amigos e parentes, e espero que esteja num lugar melhor!!!

  17. guaracy maristany

    Grande Gigante, velhos tempos no Banestado, futebol de pelada na Associação, isto nos meados de 87, 88 e por ai afora. De repente veio a privatização, voltei para minha Paranaguá, e o Gigante apareceu, pois tinha casa na bela Superaguí, onde fez grandes amigos. Infelizmente, no dia de hoje me falaram deste assassinato, fiquei chateado, pois tinhamos combinado de se encontrar em superaguí para tomar umas, mas não deu tempo. Vai com Deus Gigante, sentiremos saudades.

  18. Deborah matt

    GIGANTE! O conheci em ” Super”, anos oitenta e muitos, ele tinha acabado de comprar a casinha que era um sonho de um garoto sonhador, de coração enorme…. Que tinha tanto amor por aquele seu pedacinho de mundo, que com ele tiramos todas as telhas prá escovar, lavar, tirar o musgo…. Pois aquele era seu recanto! Sua conquista! E tudo valia a pena para deixar a sua casinha mais bela. Era DELE!
    Depois disso, nunca mais nos vimos, nem falamos, eu apenas tinha noticias através dos amigos que temos por lá.
    E hoje, por estas loucas coincidências do Facebook que nos colocam diante de surpresas, tive este choque, que até agora, não é possivel digerir.
    Como assim, como assim? Gigante era Gilberto!
    Então, ao visitar a página dele, me dou conta de que aquela foto, que tirei dele e dos amigos, numa travessia de volta pra Paranaguá….. Está lá… Em B&P, prá sempre!
    À familia dele, aos filhos, muita força, e que guardem sempre esta imagem, de um garoto que não tinha idade, e que tinha um apelido que significava muito bem a bela pessoa que ele era: GIGANTE!
    Sinto muito, muito mesmo, a perda de uma pessoa táo especial’

  19. Bispo

    Conheci o Gigante na casa de meu irmão (Caco de Paula) em Floripa. Em 5 minutos já tinha a sensação de que o conhecia há muito tempo. Assim era o “Véio”. Nos tornamos grandes amigos e companheiros de grandes estadas em Superagui. Na primeira vez que lá fomos ele me apresentava como “Ary Torpedo”. Ninguém na ilha sabe meu nome. Todos me chamam de Ary. Os mais respeitosos me chamam pelo que acham que seja meu nome e sobrenome! (Ary Torpedo).
    Saudades Véio!!!

    Antonio de Paula

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