10:13Aquarela

por Sergio Brandão

 

Algumas vezes o coração aperta. Parece que vai saltar… explodir o peito ou sair pela boca. Parece que está fora de lugar e precisa de mais espaço. Acho que a dor do infarto deve ser assim.

 

Nestes dias a rotina diária acontece mecanicamente. Sei que indica alguma coisa que vai além do que alcanço. Imagino que é a vida que aperta o coração. A cabeça titubeia, não sabe direito dar ordens ao pensamento. Sei que o melhor a fazer é tentar aquietar a alma e aos poucos serenar os ânimos. Acho finalmente os meus pensamentos mais serenos. Estão bem escondidos.

 

Cansado de me debater o dia todo com estas coisas, adormeço e tenho sonhos com um mundo que não sei bem definir. Só sei que me sinto em casa. As figuras parecem amigas, já de algum tempo. É uma relação estranha… no mínimo diferente.

 

Vou ficando apenas com a remota lembrança do mundo que sei que habito. Lentamente as luzes vão desaparecendo,  fica apenas uma névoa, que também  aos poucos desaparece.

 

Perco novamente o controle dos pensamentos que vagueiam por lugares coloridos. Como se fizesse parte de uma aquarela. As cores são tão fortes que posso senti-las nas mãos e também nos pés, quando caminho. A paisagem se forma e se transforma sempre. Ganha novas formas a todo instante. Entro em cada uma.

 

Vejo que um grupo de pessoas me observa sem nada fazer. Algumas delas eu conheço, mas não sei de onde. As fisionomias são familiares.

 

A cada mudança de imagem tudo se muda, menos o grupo que continua me observando. Com certo esforço também percebo que algumas cenas são familiares. Em muitas me vejo quando criança, às vezes como adulto… e as  pessoas continuam lá, me observando. Algo me puxa e me diz que devo tentar chegar até elas. Faço novo esforço e mais um pouco alcanço eles. O grupo me saúda. Todos me dão a impressão de imensa felicidade pelo encontro… ou reencontro, não sei.

 

Só agora reconheço todos, olhando bem nos olhos de cada um. Parece que com cada um tenho uma história. Conversamos como velhos conhecidos.

 

Depois eles me preparam algo que chamam de sedativo para alma. Me dão uma caneca pela metade. Preciso tomar tudo. É um liquido azul, num tom diferente. Bebo sentado… descansando.

Estou mais para ouvir do que para falar. Um deles, o mais velho, me diz que estou cansado e que por hora devo descansar.

 

Todos me rodeiam, me abraçam… ainda festejam o encontro… ou reencontro.

 

Aí me levam até um lugar aconchegante que cheira a flores, mas o cheiro também é diferente. Parece ser uma mistura de algumas essências.

 

Vou me acomodando e adormeço novamente. Tenho um sonho. Nele estou acordando assustado com o despertador que toca alto.

Levanto correndo e vou ao banheiro. Só me dou conta de tudo quando me vejo no espelho. Tenho a nítida impressão que sonhei um sonho muito real.  O que era aquela gente, aquelas cores, aqueles aromas, aquelas sensações? Que noite mais confusa. Volto ao quarto e no relógio vejo que já estou atrasado.

Me visto e saio para a rua. Lembro que o sentimento era de aperto no coração. Aquelas pessoas conhecidas que até há pouco me acompanhavam, agora parecem me  assoprar algo. Sinto isso sutilmente.

 

Caminhando, consigo lembrar que o lugar onde estava era familiar, tão familiar que nem sei mais onde é exatamente o meu lugar de verdade.

De onde sou, onde deveria estar?

Procuro me acalmar. O coração parece querer saltar. Acho a serenidade novamente num canto da alma. Sigo meu caminho.

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