8:10Carta a messiê Jérôme

por Xico Sá

 

Amigo torcedor, amigo secador, peço a devida licença para me dirigir especialmente à senhora Fifa, na pessoa do seu secretário-geral, Jérôme Valcke, sempre em visita a este país com a sua panca de colonizador fanfarrão do Velho Mundo.

Tudo bem, o sr. pode alegar que não tem culpa se o governo rubricou e assinou tudo em submissa e cordialíssima obediência de colonizado. O governo talvez tenha o mesmo hábito popular de não ler aquelas letrinhas contratuais.

Sim, oui, messiê, as digníssimas autoridades da terra do pau-brasil fizeram uma faraônica e franciscana transposição do dinheiro público para sumidouros privados. O sr. está certo nesse ponto: os governantes aceitaram tudo, agora não reclamem.

Queriam mostrar que são a nova potência, o país da vez e da moda no mundo? Agora agasalhem as obrigações. As ponderações de vossa senhoria, sr. secretário, são até razoáveis ao pé da letra fria e miúda dos termos. Cumpra-se e escutem o grito das ruas.

Nem que seja o grito abafado pelos gols. Nelson Rodrigues diria que diante do primeiro gol dos canarinhos, não haveria um só brasileiro decente que fizesse coro com os grupelhos de manifestantes. Será?

Continuasse o gênio pernambucarioca com a opinião que conservou desde a Copa de 1958, certamente manteria a ideia clássica da “Pátria em chuteiras” –o que é bem diferente do pachequismo de ocasião. Ofutebol brasileiro, segundo as suas crônicas, estava acima do bem e do mal das ideologias.

Viajamos na mesa branca. Voltemos ao destinatário inicial. Caro Jérôme, letrinhas contratuais à parte, o sr. não acha que, diante do cenário que se anuncia desde os protestos da Copa das Confederações, a Fifa não poderia ser menos arrogante e entender o que se passa no país? Até a ONU revê seus acordos, ora bolas!

Por que insistir, por exemplo, nestes currais festivos, com seus reis dos camarotes, as tais fan fests? Afesta, no Brasil, é em qualquer canto, não sob placas oficiais, jabás e abadás dos patrocinadores. A festa aqui é no bar do David, no Chapéu Mangueira –excelente para gringos e brasileiríssimos, seu Jérôme–, a fuzarca é no cabaré Lady Laura, lá no Crato; é na Beth Cuscuz, em Teresina; é no Zé Batidão, o agito da Cooperifa, na ZS paulistana.

A rebeldia do Recife, que se nega a bancar a farra copeira, messiê, está moralmente correta, seja atitude demagógica ou não do governador Campos, ops, do prefeito Geraldo Julio. Mesmo considerando que este mesmo poder andou pisando na bola em relação às manifestações culturais em Pernambuco, que em nada dependiam dos encafifados senhores.

Sr. Jérôme, mais juízo, considere o cenário dos trópicos no momento. Melhor que botar a perder, por letrinhas tão pequenas, a festa maior do futiba.

 

*Publicado na Folha de S.Paulo

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2 ideias sobre “Carta a messiê Jérôme

  1. Mario Lopes Filho

    Que pena! Gosto muito do Xico Sá e de seus artigos brilhantes e cheios de humor lúcido. Inteligente e antenado, Xico sempre nos brinda com textos maravilhosos.
    Infelizmente neste ele omite a arrogância e a soberba do Lula e staff quando praticamente imploraram para que a Copa acontecesse no Brasil. Nossas deficiências, nossos problemas crônicos e a incompetência governamental são notórios mas tudo isso foi ignorado por um presidente prepotente e despreparado, que não satisfeito em empurrar goela abaixo do sofrido povo brasileiro uma Copa do Mundo, lançou-se ainda na absurda ideia de patrocinar uma olimpíada, a despeito dos erros gritantes que aconteceram nos Panamericanos, que não deixou legado algum apesar da ampla divulgação oficial em contrário. E assim será a Copa e a olimpíada.
    Esquece o Xico e “esqueceu” o Lula e seus puxa-sacos que a FIFA é uma entidade privada com fins lucrativos e organizada ao extremo, o que significa que o padrão FIFA não é para brincadeira ou devaneio de políticos sem compromisso algum com nossos problemas, bem maiores que qualquer ufanismo advindo de conquistas esportivas.
    Organização nenhuma no mundo mudaria suas exigências e regras que tão bem conduzem tal evento há décadas, só para “facilitar” a vida de um governo relapso, pois a regra do jogo era pública e clara antes da decisão megalomaníaca do Lula, e ele (Lula) a aceitou sem medir as consequências, atitude sensata em qualquer gestor lúcido e comprometido.
    Portanto, as atitudes do Sr. Valcke e de quaisquer outros funcionários da FIFA são perfeitamente coerentes com a magnitude clara do evento. O coro das ruas reflete a sensação de insegurança e abandono que o brasileiro sente em relação à estapafúrdia condução dos trabalhos pelo governo. Apesar de sermos o país do futebol e com um povo apaixonado pelos gols e pelas vitórias de nossa Seleção, sabemos que as deficiências estruturais do país são muito mais importantes que estádios. E é quase certo que as ruas vão continuar cobrando coerência do governo mais incompetente que este país teve.

  2. antonio carlos

    Escreveu não leu, o pau comeu, não é assim que se diz? Só faltou escalarmos Deus para a conquista da Copa do Mundo em Pindorama em 2014, e agora demos de chorar, de alegar inocência e ignorância? Quem assina sem ler o contrato assume os riscos, e não adianta depois ir chorar lá no Procon. E é isto que nós estamos querendo fazer, irmos nos queixar no Procon, porque nem os bispos querem saber de ouvir xororô de otários.

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