7:22Um menino grande chamado Maria

por Célio Heitor Guimarães 

 

“Amanhece em Copacabana, e estamos todos cansados. Todos, no mesmo banco de praia. Todos, que somos eu, meus olhos, meus braços, minhas pernas, meu pensamento, minha vontade”.

 

Desde que Antônio Maria (Araújo de Moraes), cronista, poeta, compositor, mulato e pernambucano, homem de rádio, notívago, bom de briga, sedutor e “cardisplicente” – “homem que desdenha o próprio coração” –, morreu, na madrugada de 15 de outubro de 1964, embrulhei as suas crônicas em papel jornal e nunca mais as abri. Ainda produzi um programa especial de despedida, na velha Rádio Independência, fazendo desfilar preciosidades do cancioneiro popular assinadas pelo bom Maria, como “O Amor e a Rosa”, “Ninguém me Ama”, “Valsa de uma Cidade”, “Manhã de Carnaval”, “Canção da Volta”, “Suas Mãos”, e só.

Agora, quase 50 anos depois – em março, vivo fosse, ele estaria fazendo 93 anos –, creio haver chegado o momento de revê-las. Devagar, sem nenhuma pressa. Apenas para aplacar a saudade. E também poder levar um pouco do bom Maria às novas gerações de leitores que, muito provavelmente, sequer ouviram falar dele.

 

“É muito melhor estar mal acompanhado do que só. A única vantagem da solidão é poder entrar no banheiro e deixar a porta aberta”.

 

Pois saibam que Antônio Maria foi o maior cronista que o Rio de Janeiro e o Brasil já conheceram, com todo o respeito a Rubem Braga, João do Rio, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Luís Martins, Carlos Heitor Cony e a tantos outros mestres da prosa. Maria era especial. Sabia lidar com o leitor, cativá-lo com afeto, jamais com pieguice. Do mesmo modo que era capaz de transformar as letras em afiada navalha, aplicada com precisão na veia dos desafetos.

Maria produzia também programas de rádio, na antiga Mayrink Veiga. Para sobreviver. E quando entregava os scripts aos diretores da emissora, desabafava: “Pior eu não sei fazer…”

Segundo Vinícius de Moraes, seu amigo e companheiro de tantas noitadas, ele foi um dos primeiros a libertar a língua portuguesa do seu “engravatamento vernacular”.

“Maria escrevia como vivia: livremente e sem medo, comprometido tão somente com o amor, candando e agando para as leis gramaticais. Sua regência era a da espontaneidade: natural como a fala dos que se comunicam sem formalismos. E, assim, escreveu coisas lindas” – deporia o Poetinha.

 

“Deixo-me quieto, quase imóvel. É possível, então, entender mais o barulho da chuva. Na chuva, o poder evocativo dos sons. Sobre a pedra, sobre o barro, sobre o rio, sobre as folhas. A lembrança imprecisa de um momento da meninice. A chuva é bela, na música e no formato”.

 

No fundo, Antônio Maria foi apenas um menino grande – como ele próprio se apelidou em uma de suas composições –, movido à emoção. Tudo o que fazia era com paixão. Em regra, além da conta. Comia, bebia, fumava, trabalhava, odiava e, sobretudo, amava em excesso:

 

“Nenhuma emoção é mais forte que a de entrar no quarto da mulher amada que dorme. Sentir-lhe o cheiro e o calor. Tocar-lhe a pele. Nela, encontrar intensificação completa. Depois, dormir como na morte”.

 

Ou, então:

 

“Como deve ser triste a vida dos homens que têm mulheres de tarde, em apartamentos de chaves emprestadas, nos lençóis dos outros! Como é possível deixar que a pele da amada toque os lençóis dos outros? Quem assim procede (o tom é bíblico e verdadeiro) divide a mulher com quem empresta as chaves”.

 

Em nenhum momento, porém, Maria foi mais Maria como quando a repressão policial ameaçou quebrar-lhes as mãos, “para parar de escrever bobagens”.

– Podem quebrar, seus ignorantes! – berrou. Pensam que os jornalistas escrevem com as mãos…

 

“Guarda a rosa que eu de dei,

Esquece os males que eu te fiz.

A rosa vale mais do que a tua dor…”

 

Compartilhe

4 ideias sobre “Um menino grande chamado Maria

  1. Ivan Schmidt

    Maravilha Célio Heitor, merecido tributo ao gênio que certo dia versejou:

    — Ninguém me ama, ninguém me quer
    ninguém me chama de Baudelaire…

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.