por Zé da Silva

Câncer

A palavra reacionário começou a fazer sentido quando procurou na imprensa algo que iluminasse o panorama político do hospício. Não, não significava que o autor era contra tudo que não presta, mas sim contra tudo do outro lado de uma linha imaginária que dividia os da direita dos da esquerda. Os dois lados se cuspiam e jogavam merda como se fossem donos da verdade absoluta. Ele passou a prestar atenção nisso e descobriu que não eram os gurus que se melecava – eram os da ralé. Pareciam robotizados e guiados para procurar argumentos, reais ou fictícios, a fim de atacar o pestilento do outro lado. Mas essa ralé não era a verdadeira ralé. Era a autoproclamada intelectual, metida a sabichona, livros com capa cheirando a sovaco, rostos cansados como se tivessem passado a noite elaborando um destino maior para… para… para quem mesmo? Ele então começou a fazer uma pesquisa com os Joões e as Marias que encontrava vizinhança, na rua, no bairro da periferia; gente cansada, sem tempo, sem dinheiro, sem nada, mas que, de vez em quando, soltava um sorriso numa piada engraçada e rezava para sobreviver sem perder emprego e sem doença para tratar. Direita e esquerda eram apenas pés e braços, olhos e orelhas. Então ele botou na cabeça que era a hora de tentar entender a própria alma, que não tinha lado, pois estava dentro e variava de luminosidade conforme o dia, conforme a música, conforme a palavra, conforme.