21:25Meio século de alegrias e frustrações

Uma aula de jornalismo escrita por Renato Pompeu na revista Caros Amigos quando, em março de 2010, completou 50 anos de carreira:

 

Estou completando este mês 50 anos de jornalismo profissional, que iniciei entrando por concurso em 1960 na Folha da Manhã, hoje Folha de São Paulo. Continuo enfrentando a profissão como iniciei: alegre por prestar um serviço público e frustrado por não conseguir, por limites pessoais e externos, prestar plenamente este serviço.

Aprendi muito nessas décadas todas. Em primeiro lugar, aprendi que o jornalista não precisa saber nada, precisa apenas saber quem sabe. O jornalista, ao contrário dos intelectuais, não tem que divulgar seus conhecimentos, e sim de divulgar o conhecimento de terceiros, sempre relatando que se baseia nas fontes, embora possa não identificar essas fontes. Essas fontes podem ser testemunhas, especialistas ou pesquisas e outras documentações. O que o jornalista precisa saber é realmente como conseguir chegar às fontes em cada assunto específico, e distinguir entre as fontes boas e más.

Uma segunda constatação que fiz é que a especialização em alguma problemática, seja esportes ou polícia, ou seja qual for, pode ser mais prejudicial do que benéfica. Um jornalista sempre defende suas fontes e, se insistir em ficar anos cobrindo o mesmo campo, pode ficar prisioneiro de suas fontes. Ele não pode correr o risco de desagradar cada uma de suas fontes, publicando uma informação importante que a fonte não quer que seja divulgada, por exemplo, pois nesse caso a fonte deixará de prestar novas informações. Por isso, ao longo de minha carreira, sempre procurei passar de um campo de cobertura para outro. A tal ponto que, quando me perguntam: “Afinal, você é jornalista especializado em quê ?”, sempre respondo: “Sou jornalista especializado em jornalismo”.

Outra coisa coisa que aprendi foi que cada jornalista tem a fonte que merece. Se o jornalista for um ser intelectualizado que procura ser isento, ele terá como fontes seres intelectualizados que procuram ser isentos. Se o jornalista for conservador, terá conservadores como fontes. Se o jornalista for esquerdista porra-louca, terá esquerdistas porra-loucas como fontes. Dize-me quem são tuas fontes e dir-te-ei quem és. Ou melhor, dize-me quem és e dir-te-ei quem são tuas fontes.

Finalmente, aprendi que existe outro jogo de espelhamentos como esse entre os jornalistas e suas fontes: é a identificação dos integrantes de uma redação bem-sucedida com seu público. A composição social, política e cultural de uma redação vai ao mesmo tempo criando um público de composição social, política e cultural semelhante, e vice-versa, as exigências do público vão alterando a composição da redação que serve àquele púbico. Disse Marx, referindo-se a livros, “Cada obra cria seu próprio público”. Disse meu falecido irmão, jornalista Sérgio Pompeu: “O jornalista precisa ter vínculo com seu público”, do contrário sua obra cairá no vazio ou mesmo será recebida com hostilidade. Dize-me se você gosta de me ler e dir-te-ei que você é parecido/parecida comigo.

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