9:14Um doutor

por Manoel de Barros

 

Um doutor veio formado de São Paulo. Almofadinha.

Suspensórios, colete, botina preta de presilhas.

E um trejeito no andar de pomba rolinha. No verbo,

diga-se logo, usava naftalina. Por caso, era

um pernóstico no falar. Pessoas simples da cidade

lhe admiravam a pose de doutor. Eu só via o casco.

Fomos de tarde no Bar O Ponto. Ele, meu pai e este

que vos fala. Este que vos fala era um rebelde

adolescente. De pronto o Doutor falou pra meu

pai: Meus parabéns Seo João, parece que seu filho

agora endireitou! E meu pai: Ele nunca foi torto.

Pintou um clima de urubu com mandioca entre nós.

O doutor pisou no rabo, eu pensei. Ele ainda

perguntou: E o comunismo dele? Está quarando

na beira do rio entre as capivaras, o pai respondeu.

O doutor se levantou da mesa e saiu com seu

andar de vespa magoada.

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