8:11Quando falta razões para viver

por Célio Heitor Guimarães

 

Há coisas que a nossa limitada inteligência não é capaz de entender: por que uma pessoa jovem, famosa, inteligente, talentosa, bem sucedida e com um belo futuro pela frente põe fim à vida, e de modo tão estúpido e lamentável? Refiro-me, é claro, ao ator Philip Seymour Hoffman, encontrado morto em seu apartamento, no West Village, em Manhattan, Nova York, quase certamente vítima de uma overdose de heroína, aos 46 anos de idade.

Seymour era um excelente artista, aplaudido pelo público e pela crítica. A interpretação que deu a Truman Capote, na biografia filmada do escritor e jornalista, foi soberba, superando todas as expectativas e valendo-lhe o Oscar de melhor ator de 2005. Mas o brilhantismo do trabalho de Hoffman não esteve presente apenas nesse filme. Com “Jogo de Poder” (2007), “Dúvida” (2008) e “O Mestre” (2012) foi indicado ao Oscar de melhor ator-coadjuvante. Em “Dúvida”, teve atuação primorosa, como o carismático padre Flynn, decidido a acabar com os rígidos costumes da Escola St. Nicholas, no Bronx. Bateu de frente com a irmã Aloysius Beauvier, defensora do medo e da rígida disciplina, vivida por Meryl Streep, e o resultado foi um show de talento de ambas as partes.

Na Broadway, Philip esteve na remontagem de “A Morte do Caixeiro Viajante”, de Arthur Miller, o que lhe valeu a terceira indicação ao Tony, prêmio maior da ribalta americana, como melhor ator.

Na vida real, havia se separado recentemente da mulher, com quem tinha três filhos.

A verdade é que Philip Seymour Hoffman, ainda que vitorioso, era um homem atormentado. Conseguira ficar longe das drogas por 23 anos, mas capitulou no domingo 02 de fevereiro, consciente de que a retomada do vício iria matá-lo.

– Sei que se eu não parar, vou morrer – confidenciaria a um amigo.

Seus últimos dias foram terríveis. Andava desgrenhado e sujo e passou a beber desmedidamente. Chegou a internar-se em uma clínica de reabilitação, mas não conseguia mais afastar-se da heroína. Em janeiro, ainda compareceu ao festival independente de Sundance, em Utah, para a pré-estreia de “O Homem mais Procurado”, em que interpreta o espião alemão Gunther Bachmann. Estava abatido e procurou ficar longe da imprensa. Mas o pouco que disse foi significativo: confessou que se identificava com a personalidade de Gunther, um homem torturado pela vergonha de um fracasso interior.

Mestre Zé Beto, que conheceu o Inferno em vida, saberá, com certeza, explicar o que se esconde na alma humana. Só não sei se nós, pobres mortais, entenderemos.

Rubem Alves, que, se não conheceu o Inferno nem acredita no Céu, tem intimidade como poucos com a vida, garante que as dores da alma nenhuma cirurgia consegue curar. É dele também a conclusão que “muitas pessoas se suicidam porque, tendo todos os meios para viver, não tinham as razões para viver”.

Talvez tenha sido o caso de Philip Seymour Hoffman.

 

 

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3 ideias sobre “Quando falta razões para viver

  1. admin Autor do post

    Não tem cura. Tem controle. Dependência é sintoma de doença da alma. Quando se consegue olhar para dentro, sempre pela palavra e, às vezes, com ajuda de remédios para manter o equilíbrio emocional, retoma-se o controle da própria vida. Nada muda. Há coisas ruins e coisas boas na estrada da vida. O que muda é a maneira de olhar e senti-las. Inteligência, fama e dinheiro são apenas inteligência, fama e dinheiro quando se está no soterrado no buraco do uso das drogas. Ao sair, o dependente experimenta o valor da vida, mesmo porque ele pode comparar. Vive o dia a dia sabendo que tem dentro um monstro que pode devorá-lo. E isso reforça a sobriedade. O amanhã, ele não sabe. Sabe o hoje, que está bem e consciente. E vida que segue.

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