12:58Entre Pelé e Bob Moore

por Tostão

 

Quando um pai quer explicar ao filho quem eu fui, fala que joguei ao lado de Pelé na Copa de 1970. Tenho muito orgulho de ter atuado ao lado do maior jogador de todos os tempos e de outros craques, e contra vários outros, como Bob Moore e Bobby Charlton, da seleção inglesa.

A primeira vez em que atuei em um jogo internacional, ao lado de Pelé, foi em um amistoso na Suécia, antes da Copa de 1966. Tinha 19 anos. Fizemos um trio, eu, Pelé e Gérson, que se repetiria em 1970.

No intervalo, Gérson me perguntou se dava para jogar de dois toques, em vez de um, como no Cruzeiro. Disse que, com dois, dava tempo de chegar à frente. Pelé concordou. No segundo tempo, foi melhor. No Cruzeiro, como o meia Dirceu Lopes era muito rápido, um toque era suficiente.

No Cruzeiro, eu era meia ofensivo, um ponta de lança. Na Copa de 1970, joguei de centroavante, de costas para o gol. Fui para Pelé, Jairzinho, Gérson e Rivelino, que chegavam de trás, o que Evaldo era para mim e para Dirceu Lopes.

Era difícil acompanhar o raciocínio de Pelé. Antes de a bola chegar, ele, em uma fração de segundo, me dizia, com seu olhar expressivo, seu enorme campo visual, tudo o que pretendia fazer. E fazia.

Pelé e os grandes craques possuem o que os especialistas chamam de inteligência cinestésica. Com o olhar, mapeiam tudo o que está em volta e calculam a velocidade da bola, de companheiros e rivais.

O saudoso mestre Armando Nogueira dizia que era uma inteligência medular. O raciocínio era tão rápido que não dava tempo de a mensagem chegar ao cérebro. A sinapse acontecia na medula.

No segundo tempo contra a Inglaterra, em 1970, vi que Roberto, meu reserva, se preparava para entrar. Tinha de fazer algo. De repente, a bola chegou a meus pés. Pensei: “É agora”.

Tentei driblar até o gol. Fui impedido, joguei o braço e o cotovelo na cara de um marcador, para não perder a bola, e a coloquei entre as pernas de Bob Moore, antes de cruzar para Pelé, que dominou e deu para Jairzinho. Não vi Pelé, mas sabia que, quando a bola está muito tempo de um lado, há sempre um companheiro livre do outro.

Daqui para frente, quando um pai disser ao filho que joguei com Pelé, acrescentarei, para melhorar o currículo, que driblei e coloquei a bola entre as pernas de Bob Moore, um dos maiores zagueiros da história.

 

*Publicado na Folha de São Paulo

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