9:07Viagens de risco – quem usa os cintos de segurança nos ônibus?

por Raul Guilherme Urban*

 

Num  momento em que o Brasil praticamente para, por conta da Copa do Mundo, convém olharmos um detalhe pouco analisado até aqui: antecedendo o evento, e mesmo durante o período da realização do mesmo, quantas milhares de pessoas farão seus deslocamentos Brasil afora em ônibus, para conhecerem as cidades-sedes,  visitarem os estádios e demais pontos de interesse turístico, ou irem às compras? Num país predominantemente rodoviário, onde navegação de cabotagem e ferrovias há muito perdem espaço, também são centenas as empresas de ônibus rodoviários que oferecem um a infinidade de linhas, conforto e até facilidades como o wi-fi e segurança. Mas… E os cintos instalados nos bancos confortáveis, são objetos de decoração apenas?

Em plena alta temporada de verão, quantos são mesmo os ônibus que diariamente deixam as rodoviárias de cidades brasileiras, transportando milhares de passageiros? Tomemos o exemplo da Rodoferroviária de Curitiba: nessa época – porque o período de festas terminou, mas o Carnaval vem aí -, registram-se, diariamente, 450 coletivos saindo do terminal, com algo em torno de 12 mil pessoas, e outro tanto chegando à cidade. O que parece uma prestação de contas recheada de números, tem, na verdade, outro objetivo: quantas dessas milhares de pessoas que viajam Brasil afora usam, de verdade os cintos de segurança instalados nos ônibus rodoviários? O uso é obrigatório, fiscalizado pela Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), mas, da teoria à prática, há um longo caminho.

Ainda recentemente, a imagem de um ônibus double decker da Empresa de ônibus Nossa Senhora da Penha, que viajava de Curitiba ao Rio de Janeiro, impressionou o país, depois de rolar ribanceira abaixo, durante o percurso, matando parte dos passageiros e ferindo outros tantos. Esse é apenas uma das centenas de exemplos registrados diariamente no Brasil, país de dimensões continentais, onde o cinto de segurança em ônibus é não mais que mero enfeite e ignorado por quase todos. Apesar da exigência legal de uso, os motoristas, antes de deixarem as rodoviárias, dificilmente alertam os passageiros sobre o uso do cinto. Se, porém, os ônibus forem fiscalizados pela ANTT e for comprovada a falta de uso do cinto, a empresa é autuada. Do ponto de vista legal, tudo perfeito. O problema é o da conscientização do usuário de uma linha de ônibus rodoviário.

O mesmo não acontece ao embarcarmos num avião. Os avisos luminosos, os avisos viva-voz vindos do comandante da aeronave – tudo isso reforça a obrigatoriedade de uso do acessório que pode salvar, a cada voo, centenas de vidas no caso de acidente aéreo. Mas não é o que verificamos nas estradas. Todas as viagens, sem exceção, seja para onde forem, são sempre de risco – afinal, quem usa o cinto? Se levarmos em conta que cada ônibus tem em média 45 assentos, e como são, literalmente, milhares os coletivos que rodam o país afora, imagine-se a hecatombe no caso de diversos acidentes num só dia.

A exemplo dos aviões, os cintos em ônibus rodoviários são abdominais.  Aparentemente são frágeis, não concorrendo, em princípio, com os cintos de três ou mais pontos instalados nos veículos de passeio. Mas salvam vidas, sim! N o caso de um capotamento,  o passageiro não é violentamente jogado contra o teto do coletivo, sofrendo lesões muitas vezes fatais. Fica, sim, amarrado ao banco, que pode até ser projetado para a frente, mas reduzindo o risco de esmagamento de corpos.

No fim dos anos 1960, época em que os riscos de viagens rodoviárias no Brasil estavam longe de serem tão agudos como hoje em dia, o número de vítimas fatais nas estradas chegava a ser – de acordo com a explicação das autoridades da época – semelhante ao número de mortos durante a Guerra do Vietnã.

Hoje, as gerações nascidas depois desse conflito e que pouco dele sabem, são informadas que o número fatal de vítimas neste início do século XXI se assemelha ao do conflito – eventualmente – no Iraque, uma linguagem atualizada em termos de hecatombes mundiais que ceifam vidas e vidas.

Vietnã e Iraque à parte, num país cuja malha rodoviária sofre de investimentos maciços, de conservação permanente, de novos projetos, e até da dificuldade em se renovar a frota de veículos pesados no curto prazo, acidentes rodoviários são e serão uma constante assustadora. Falta um programa do governo que conscientize, quem viaja, a usar, nos ônibus, o mais elementar acessório disponível: o cinto de segurança, que fica guardado entre o assento e o encosto de coletivos em sua maioria novos, modernos, tecnologicamente evoluídos. Num Brasil onde ônibus e caminhões fabricados no país em tudo se assemelham aos congêneres do Primeiro Mundo, ironicamente faltam motoristas profissionais experimentados para dirigir esses verdadeiros computadores ambulantes recheados de eletrônica embarcada. Contratações e treinamentos também à parte, enquanto não vêm por aí campanhas preventivas mostrando a importância do cinto, talvez, ao ligarem os motores, antecedendo a partida de cada terminal rodoviário, os passageiros, a exemplo dos que ocupam os assentos em aviões, pudessem ser alertados, já acomodados nos coletivos, com uma simples gravação: “Senhores passageiros, por uma questão de segurança, apertem os cintos, mantendo-os afivelados durante o percurso, e boa viagem!”

 

*Raul Guilherme Urban é jornalista.

 

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