14:55O jornalista e os heróis

O jornalista Mario Sergio Conti escreveu um artigo ferino intitulado “Dois heróis nacionais” sobre o sr. Edson Arantes do Nascimento e o Rei Pelé (ler abaixo). O próximo talvez seja sobre Diego Armando Maradona, um exemplo de caráter e o melhor do mundo segundo pesquisa realizada lá na Villa Fiorito, onde ele, Dieguito, nasceu. Confiram:

 

Pelé estava na semana passada do outro lado do mundo, na cidade de Dubai. Tinha um compromisso de negócios, o anúncio do contrato que assinara para ser garoto-propaganda de uma empresa de aviação. Garoto? Com 73 anos, apesar dos cabelos mais negros que a asa do abutre, dos retoques com botox e bisturi, o certo seria chamá-lo de avozinho-propaganda.

Em ambos os casos, a ênfase deve ser posta na segunda palavra da expressão: propaganda é só o que Pelé faz há 40 anos. Desde que saiu do Santos, ele ganhou centenas de milhões de dólares em publicidade, atividade à qual já se dedicava antes de parar de jogar. Seria como se Gisele Bündchen abandonasse o batente e, nas quatro décadas seguintes, ganhasse milhares de vezes mais que nas passarelas.

O ano é de Copa, e ainda por cima no Brasil, e o avozinho-propaganda está a mil. Anuncia xampu anticaspa, supermercado, café, escova de dente, banco, aparelho de barba, automóvel, relógio de pulso, operadora de telefones, sanduíches de fast-food, quinquilharias esportivas, a Confederação de Agricultura e Pecuária e até o governo, que o nomeou embaixador honorário do Brasil na Copa.

Só a função de embaixador não é remunerada. Pelas outras, a empresa de publicidade globalizada que o representa, a Legends 10, cobra na forma da lei. Pelé, cuja marca foi avaliada em mais de R$ 600 milhões, cobra mais de R$ 2 milhões de reais por campanhas no Brasil. No exterior, o preço dobra. A chave da sua permanência no negócio é a propaganda de si mesmo.

Toda vez que abre a boca em público, ele se autoelogia. É sócio de uma revista em quadrinhos chamada “Pelezinho”. Há um aplicativo com seu nome e apodo, Rei do Futebol. Arrecada verbas mundo afora para produzir um filme que contará a sua infância. Divulga um livro de luxo com fotografias de sua vida que custa R$ 3.600.

A gente ri do seu cacoete esquizofrênico de referir-se a si mesmo como duas pessoas, Edson e Pelé. Mas é isso mesmo, entende? Edson é o homem de negócios frio que, no ano passado, se irritou com os protestos de rua e disse que os manifestantes deveriam tão somente aplaudir a seleção.

Pegou mal. Na pequenina Três Corações, onde nasceu, a sua estátua na praça central foi amordaçada. Puseram-lhe um cartaz no pescoço com a inscrição “Pelé não me representa”. Os marqueteiros de Pelé perceberam que o ânimo nacional era bem outro e Edson se desdisse no dia seguinte: “Sou 100% a favor desse movimento pela justiça”.

Para dar credibilidade à reviravolta retórica, revelou que boicotara a Copa de 1974 para protestar contra a ditadura. O segredo estava tão bem guardado que nem a ditadura soubera do boicote. Passaram-se alguns meses e ele se desdisse outra vez: “protestos políticos não deveriam ser permitidos de novo” na Copa.

Apesar de o contrato de Edson com a Talents ir até 2040 (ele é um otimista: estará com 100 anos), o grosso da rentabilidade da sua marca terá de ser auferido no máximo até as Olimpíadas. Depois disso, a previsão é que Pelé e Edson venham a se aproximar cada vez mais, entende?

Edson vive hoje da imagem de Pelé, dos seus gols e dribles que podem ser vistos a qualquer hora na internet. O apelo dessas imagens, porém, tem limites. Outros craques surgiram e outros virão. O novo atrai mais que o antigo. Daí, talvez, o afã de Edson de botar Pelé em todas.

Além do quê, o avozinho-propaganda precisa urgentemente de dinheiro. No mês passado, a Justiça ordenou que pagasse uma pensão de sete salários mínimos para dois de seus netos. Serão R$ 5.000 para cada garoto, uma fábula. Eles são filhos de Sandra Felinto, a filha “ilegítima” do jogador que morreu em 2006.

Em “Galileu”, Brecht escreveu: “Pobre do povo que não tem herói”. O Brasil tem dois, Pelé e Edson. 

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4 ideias sobre “O jornalista e os heróis

  1. miriam

    eu mesma nunca fui fã do Pelé, mas há coisas que não se pode negar. Ele já disse muita besteira, mas os aficionados ao futebol não têm dúvida em chamá-lo de rei. O cara deve ter valor. Quem não tem valor algum é esse Conti, claramente despeitado por algo que não tem coragem de publicar. Qual é o problema de Pelé continuar faturando? O Conti faz um péssimo jornalismo, e não é de hoje. Está é com dor de cotovelo cavalar.

  2. Luiz Fernando Pereira

    Sobre o assunto, a lendária frase de Romário é definitiva: “Pelé calado é um poeta”.

  3. sdroyewski

    O negão (ops!) o big afro-descendente era um bolão dentro do campo,
    mas fora dele…entende?

  4. Jeremias

    Ser achincalhado por Mario Sergio Conti enobrece qualquer currículo. Bola pra fente, Pelé!

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