15:57Repórter, sobretudo

por lio Heitor Guimarães, enviado em forma de comentário à nota sobre o jornalista Carlos Maranhão:

 

E, além de tudo, Maranhão sempre foi cordial e generoso. Quando publicou “Maldição e Glória”, fiz um comentário no velho O Estado do Paraná. Ele, desde a marginal do rio Pinheiros, em São Paulo, teve a gentileza de agradecer-me, acrescentando ter sido a melhor resenha que lera sobre o livro. Gestos como esse engrandecem o ser humano. Eis o texto, intitulado “Repórter, sobretudo”:

 

Carlos Maranhão, que se fez jornalista na redação deste O Estado do Paraná e, depois de passar pelas redações de Veja, Placar e Playboy, dirige a Veja São Paulo, produziu um livrinho (no sentido carinhoso do termo) digno de leitura e aplauso: Maldição e Glória – A Vida e o Mundo do Escritor Marcos Rey (Companhia das Letras). A edição é de 2004, mas somente agora tive o prazer de conhecê-la. E bota prazer nisso!
Muito mais que traçar a trajetória do escritor, novelista, publicitário, roteirista de pornochanchadas e boêmio paulista Marcos Rey, autor de Memórias de um Gigolô e Enterro da Cafetina, o nosso Maranhão revelou-se um biógrafo de mão-cheia. Em pouco mais de 200 páginas, pôs à mostra, com elegância de estilo e precioso conteúdo, um dos mais enigmáticos nomes da literatura nacional, revelando, inclusive, já no capítulo inicial, o mais bem guardado segredo do escritor – a hanseníase que o atingiu na adolescência e o marcaria por toda a vida.
Maranhão passeia pelos caminhos de Marcos, sobretudo na noite paulistana de meados do século passado, entre boêmios, intelectuais, prostitutas, gigolôs e viciados. E o resultado foi um livro revelador, capaz de “deixar atordoados os leitores em geral, mas particularmente aqueles que tiveram contato com a obra ou a pessoa de Marcos Rey”, como pontua o também escritor Fernando Moraes no prefácio.
Contudo, o que mais surpreende e entusiasma no trabalho de Carlos Maranhão é o fato explícito de que ele continua, sobretudo, um repórter. A história de Marcos é servida com uma riqueza impressionante de detalhes, calcada em uma pesquisa minuciosa. Mesmo os personagens secundários são focalizados por inteiro, com informações indispensáveis para a melhor compreensão do protagonista e de uma época que lhe serviu de cenário.
Nisso, Maranhão foi um mestre. O capítulo final é antológico. Ao narrar a trajetória do helicóptero que conduz as cinzas do escritor, sobrevoando locais e personagens de um mundo que não mais existe, Carlos Maranhão comove, enaltece a profissão de jornalista e enche de orgulho todos nós, os seus colegas.
De igual modo, merece registro os conselhos de Marcos Rey ao irmão Sylvio, ambos já septuagenários, incentivando-o a escrever, e que servem de lição a todos os que pretendem lidar com as palavras:
• Releia, linha a linha, o que foi escrito. Se possível, em voz alta.
• Consulte um dicionário para acertar na grafia das palavras. Há palavras que escrevemos errado a vida inteira.
• Cuidado com a acentuação. No Brasil já houve diversas reformas. A última tornou acentuar muito fácil. Mas é preciso saber as regras.
• Um erro de crase pode arruinar uma reputação.
• Pontuar não é sopa: há bons escritores que erram muito. Saiba, porém, que a vírgula não é enfeite e o ponto facilita muito a construção das frases.
• Escritor experiente não abusa de sinais.
• Deixe sempre claro quem está falando. Use aí o travessão. Aspas no geral só confundem e poluem a página.
• Cada ideia numa linha. Não acumule informações numa única.
• Corte sem dó todas as palavras desnecessárias. As que não tiverem função na frase, varra. São lixo que enfeia a leitura.
• Leia muitas vezes algumas páginas, contos e crônicas de grandes autores. É o melhor jeito de aprender.
• Evite a repetição de palavras e, principalmente, dos que, quais, porque, mas, como, tanto, quanto, de, pois, porém, que revelam dificuldade de redação. Mas não basta cortar. É preciso descobrir outras formas de dizer.
• Nunca repita ideias. Também não precipite desfechos.
• Cuidado com a adjetivação.

 

Carlos Maranhão cumpriu à risca os ensinamentos do mestre.

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