6:54Nano

nano

Brandão, Nano, “Muchi”, Simone (no colo) e Claudia

por Sergio Brandão

 

 

Ele é o mais feliz da foto. O sorriso inocente fala além de um sorriso. Parece rir com todo o corpo. Até as mãos com os dedos cruzados parecem sorrir. Mesmo que a foto marcasse  o início de uma fase difícil da vida dele e determinaria um pedaço difícil para todos nós. Mesmo assim, ainda sorria. Via graça em pequenas coisas, como passar dias montando aviões e navios em quebra cabeças intermináveis. Como também foram intermináveis as sessões de quimioterapia, nas longas internações longe de casa, numa fragilidade que doía na alma da gente. Muito mais na gente do que nele, pelo menos era a impressão que dava. Nunca reclamou. Nunca perdeu o sorriso, mesmo doente e fragilizado.  Nano, era como eu sempre lhe chamei. Nano de pequeno, de unidade de medida, do final do som de Luiz Fernando. Luiz Fernando, nome que acabei dando para meu filho que nasceu mais de 20 anos depois. Nano de bravo, lutador que deixou tudo isso há mais de 40 anos e não sai da minha cabeça. Meu irmão de brigas, de carinho, de brincadeiras, de apenas um ano e pouquinho de diferença, mas  que nos deixava muito próximos. Ele era mais alto. Eu não gostava disso, porque eu era o mais velho. Como podia o mais novo ser mais alto? Chegava sutilmente a levantar a ponta dos pés para não ficar para trás.

Me chamava de Dô. O som da voz ficou. Foi o que restou, além do sorriso e da sensação da presença, de vez em quando.

O Nano era mesmo especial. Lembro que até bem pouco tempo diziam que ele não era deste mundo. Lembro que logo depois de sua morte, isso me impressionou e me deixou pensando que tivesse convivido naqueles 13 anos com um anjo, com uma entidade superior. Era o que sentia. Talvez fosse mesmo. Ficava remoendo a história, tentando achar uma resposta para aliviar a dor. Por que o anjo teria ido embora e me deixado ali?

No começo me impressionei. Acho que foi aí que comecei a tentar entender coisas que até hoje não entendo.

Foi a primeira grande perda que tive. Lembro de como me disseram, como eu o vi naquele dia, do sino da igreja tocando logo cedo, às 6 da manhã, do cheiro do café sendo coado, lá embaixo, na cozinha,  da minha mãe dormindo comigo no meu quarto. Eu ainda sedado por remédios que me deixavam  um pouco longe da realidade e também me colocavam mais longe da resposta que teimosamente ainda buscava.

Obedecia todos os comandos dos adultos que me cercavam. Naquele dia, alguém me disse que homem não chora. Entendi o recado. Já tinha chorado tudo que podia mesmo. O que restou do choro, reprimi –  engolindo seco. As garras do que restava dele tentavam sair, mas eu engolia e ele descia goela abaixo. Arranhavam a garganta e doía, mas obedeci provando ser um homem, como me propuseram.

Nunca fui tão mimado. Gostava da ideia de todos me paparicando, sentindo pena de mim. No dia seguinte todos sumiram. Fiquei sozinho ainda engolindo o choro que insistia em se manifestar.

Naquele ano, a última alegria que tivemos juntos, foi a conquista do tricampeonato da seleção brasileira no México. Dalí, o Nano voltou para o hospital e só retornou para casa para ser velado, em 25 de Outubro de 1970.

Virei um cara chorão. Aprendi que homem chora e faz bem chorar. Faço isso com frequência, sempre que tenho vontade.  Olhando a foto e o sorriso, me veio uma enorme vontade. Me encheu os olhos. Ficou tudo borrado até que a imagem toda desapareceu. É que também continuo fazendo as mesmas perguntas que fazia há mais de 40 anos.

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