19:10Meu pai era um homem bonito…

de Rubem Fonseca

 

Meu pai era um homem bonito, com muitas namoradas, jogava tênis, nadava, nunca pegara uma gripe até ter um derrame cerebral. Vivia envolvido com sirigaitas , como minha mãe as chamava, e com fracassos comerciais crônicos. Tivera uma peleteria numa cidade onde fazia um calor dos infernos quase o ano inteiro. Claro que foi à falência, mas suas freguesas nunca foram tão bonitas, embora tão poucas. Antes tivera uma chapelaria, e as mulheres haviam deixado de usar chapéus. No fim, tinha um pequeno armarinho sempre tivera lojas que fossem frequentadas principalmente por mulheres na rua Senhor dos Passos. Minha mãe costumava aparecer na loja, para ver se alguma sirigaita andava por lá. Às vezes, eles discutiam na hora do jantar; na verdade, minha mãe brigava com ele, que ficava calado; se ela não parava de brigar, ele se levantava da mesa e saía para a rua. Minha mãe ia para o quarto chorar, nesses dias. Eu ia para a janela, cuspir na cabeça das pessoas que passavam e olhar para o letreiro luminoso de neon da loja em frente. Essa é uma luz que até hoje me atrai e que não foi ainda captada nem pelo cinema nem pela televisão. Quando meu pai voltava, bem mais tarde, o desespero da minha mãe havia passado e eu a via ir à cozinha preparar um copo de leite quente para ele. Um dia ele me disse que era uma pena que os homens tivessem de ser julgados como cavalos de corrida, pelo seu retrospecto. O problema do seu pai , minha mãe me disse certa ocasião, é que ele é muito bonito . Ela não o viu ficar paralítico, nem teve de suportar a tristeza incomensurável do olhar dele pensando nas sirigaitas. Sim, meu pai ainda era um homem bonito quando minha mãe morreu. A impiedosa lucidez com que eu agora pensava em meu pai encheu-me de horror não podemos ver as pessoas que amamos como elas realmente são, impunemente. Pela primeira vez eu vira o pungente rosto dele, naquele espelho, o rosto dele que era o meu. Como podia eu estar ficando igual a meu pai, aquele, o doente?

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2 ideias sobre “Meu pai era um homem bonito…

  1. andrielly vogue

    o meu pai quando…. eu era homem me levava no estadio do rio branco em paranagua e eu ficava se humilhando para os amigos dele por- favor não fale nada para meu pai daquilo……………./

  2. A língua é a chibata da bunda.

    Carências brasileiras

    quinta-feira, 05 setembro 2013 06:54
    admin
    3 Comments
    por Célio Heitor Guimarães

    Com as eleições se aproximando, a nossa diligente “presidenta”, tão ciosa das necessidades nacionais, bem poderia expandir as importações. Afinal, médicos não são a única carência do atual Brasil. Falta-nos professores, policiais, padres, juízes e um mundão de gente.

    Meu irmão Rui Bacellar, pai, que trocou o vademecum pelo ócio às margens da Baía da Babitonga, ali na bela e Santa Catarina, sugere que tragamos mestres da Grécia, policiais da Scotland Yard, monges do Tibet, juízes da Inglaterra ou do Irã e até, quem sabe?, – acrescento eu – banqueiros da Suíça. E, para equilibrar a balança comercial, poderíamos exportar presidentes analfabetos, presidentas búlgaras, ministros da suprema corte de justiça, políticos… Políticos, não! Vejam o que aconteceu com a recentíssima importação do senador Roger Pinto Molina da Bolívia!… Deputados e senadores não se importa. Permuta-se. Vem o Molina, vai o Renan ou o Sarney. Em se tratando da Bolívia, melhor será mandar o Fernando Affonso Collor de Mello.

    Só que isso não seria possível, meu querido Rui. Estaria fora dos parâmetros escolhidos pelo governo petista. O negócio há que ser feito com nossos parceiros do Mercosul, em especial aqueles envolvidos em problemas que demandem a entrada de capital e a saída de ideologia. Desse modo, a “mercadoria”, seja ela qual for, deve vir, preferencialmente ou exclusivamente, de Cuba, Venezuela e Bolívia. Poderia ser também da Argentina, como, por exemplo, bons cortadores de carne e bons produtores de vinho, mas é melhor deixar a Argentina de fora porque a “presidenta” Cristina tem certas manhas de grandeza e vive querendo disputar a liderança da América Latina com a nossa Dilma. Aí, haveria um conflito incontornável não apenas de interesses políticos, mas de vaidade, elegância e beleza… Ops, eu não deveria colocar mulher no meio, isso já me rendeu a pecha de discriminador e racista…, mas agora já foi.

    Essa do senador boliviano Roger Molina, resgatado da prisão que cumpria na Embaixada do Brasil, em La Paz, pelo próprio encarregado de negócios da representação brasileira, foi amargar. Para o governo de Brasília. O senador Molina, perseguido político de Evo Morales, que lhe atribui crimes que ele não cometeu, refugiou-se, em maio do ano passado, na Embaixada do Brasil na Bolívia. O governo brasileiro concedeu-lhe asilo e ficou à espera do salvo- conduto do governo boliviano para tirá-lo do país. Mas o salvo-conduto não veio. Evo Morales preferiu “esquecer” Roger Molina no confinamento de uma sala, sem poder sair, tomar sol, receber visitas, nem mesmo da família. Durante quinze meses. O Itamaraty manteve-se silente, em obsequiosa reverência a Morales. Molina começou a ter problemas de saúde, caiu em depressão, começou a falar em suicídio. Na sala ao lado, o diplomata brasileiro Eduardo Saboia não suportou mais a humilhação e a tortura, que comparou com a prática do DOI-CODI, do tempo da ditadura. Não dedicou mais de vinte anos à diplomacia para virar carcereiro de criminoso sem crime. Colocou Roger Molina em um veículo da embaixada e com ele cruzou a Bolívia, em um trajeto de 1.600 quilômetros e 22 horas em direção ao Brasil.

    Aqui, a “presidenta” Dilma, prima-irmã de Morales, teve um acesso de fúria. Trocou o ministro das Relações Exteriores, afirmou que a tortura de Molina não se compara com a do DOI-CODI e congelou nos subterrâneos do Itamaraty o diplomata Saboia. Não se sabe se atenderá a exigência do governo bolivariano de extradição do senador boliviano. Mas com certeza manchou um pouco mais a sua biografia e desafinou muito o discurso petista de liberdade e respeito aos direitos humanos. Eduardo Saboia apenas fez o que o governo de Brasília deveria ter feito e não fez.

    Quando a poeira passar e o Brasil respirar novos ares, Saboia, que foi capaz de agir com consciência e de acordo com os seus princípios humanitários, integrará o rol de diplomatas brasileiros, como João Guimarães Rosa, sua mulher, Aracy de Carvalho, e Italo Zappa, que tiveram a coragem de agir como seres humanos, colocando em risco suas carreiras e desobedecendo as autoridades de plantão, para salvar a vida de incontáveis famílias de judeus do nazismo, e de brasileiros banidos pela ditadura de 64, respectivamente – como bem lembrou a revista Veja desta semana. A História far-lhe-á justiça.

    PS – Por falar em Justiça e Justiça com J maiúsculo, não posso deixar de congratular-me com o egrégio Tribunal de Justiça do Estado, que nesta quinta-feira acolhe como desembargador o juiz Roberto Portugal Bacellar. É um jovem e brilhante magistrado com uma história de vida pessoal e profissional de grande dignidade, humanidade e correção. Fará muito bem à vetusta Corte e à concretização da Justiça.

    http://jornalenoticias.com.br/zebeto/?p=199606

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