7:56Virada

A falta de informação e a precariedade do discurso em relação ao consumo de drogas no país anaboliza o problema. Faz-se de conta que ele não existe até que o estopim da dinamite se acende dentro de casa e a grande maioria não sabe o que fazer. A política pública no Brasil, de uma forma geral, é tão séria quanto nossos políticos. Alguém aí se lembra do discurso da presidente Dilma sobre os R$ 4 bilhões a serem gastos no combate à praga do crack? A droga que mais mata no país é o álcool e se eu tomar goles e mais goles daquela cerveja vou pegar aquela loiraça belzebu. Beba com moderação é um recado que parece piada. Algo parecido com você chegar a um torrado e pedir as chaves do carro para dirigir porque ele não tem condições. Ele vai achar que você é um mané, vai sair a toda e vai matar alguns inocentes na calçada. Sim, extrapola-se na conversa porque o problema é sério demais para ser tratado por amadores e demagogos. No sábado passado aconteceu algo como encontrar um oásis no meio do deserto. Graças ao apoio do Marcos Cordioli, que não conheço, da Fundação Cultural, o garoto Diogo Busse conseguiu duas horas no espaço da Virada Cultural para se conversar e debater abertamente o problema no palco das Ruínas do São Francisco. Uma luz nas trevas que, pode ser, esta é a grande esperança, pode ter clareado a mente de, quem sabe, uma das pessoas que estavam ali para ouvir e, quem sabe, melhor ainda, ajudar a salvar uma vida. Porque no começo, meio e fim, esta é a grande razão disso tudo: salvar vidas – coisa que muita gente esquece e fica no trololó inconsequente. Houve um momento em que uma menina que disse ser representante de entidades sobre prevenção de danos foi ao microfone aberto ao público para reclamar que o discurso dos que estavam no palco colocava todo mundo ali na ala dos doentes, dos dependentes. Tive uma reação um pouco forte demais (pedi desculpas depois) porque não me conformei. Pensei: se alguém que se diz conhecedora do problema, ouve desse jeito, como é que a maioria vai entender? Se os que estavam ali em cima no palco achassem isso, de que serviria o debate? Se essa fosse a realidade, todos estaríamos dentro de uma clínica ou passando o cachimbo, ou injetando qualquer porcaria, ou bebendo e vomitando, ou fumando a cannabis para continuar babando na gravata, ou embarcando na viagem sem volta do LSD, ou fritando a água do corpo com duas balas de êxtase, só para citar algumas drogas. Falou-se claramente sobre o percentual de pessoas que adquirem a dependência de álcool e também sobre quantos têm problemas com as outras drogas. E também sobre a descriminalização, sobre a barbárie policial cometida contra usuários, etc. Ficou-se sabendo, por exemplo, da iniciativa da pioneira da prefeitura de Curitiba, através da Diretoria de Política Pública Sobre Drogas, comandada pelo Diogo Busse, de se colocar um ônibus para recolher quem está em situação de risco nas ruas para dar um pouco de conforto, banho, roupas limpas, assistência, enfim que, sim, pode ser o “clique” que vai ficar marcado ali dentro, na alma, na mente, para que saiba que há um outro mundo, esse nosso normal, mesmo que seja tão complicado, mas que é muito melhor que o inferno aparentemente sem saída. Os esclarecimentos do jornalista Tarso Araújo, autor do “Manual sobre as Drogas”, foram perfeitos. E fora do palco ele tocou num outro ponto que talvez explique como estamos longe de olhar com seriedade o assunto: o preconceito. Seu livro, revela, é muitas vezes encarado como um incentivo ao consumo, quando é exatamente o contrário – é esclarecedor e deveria ser adotado para que se faça a melhor política sobre o assunto, que é o da prevenção através do conhecimento, principalmente dos danos que as drogas causam. Vivemos numa país que aprende aos trancos e barrancos a democracia. Cada pessoas é livre para tratar do corpo e da mente da maneira que achar melhor. Mas uma parcela que usa qualquer substância que atua sobre o sistema nervoso central, chega a um ponto, não identificado, que perde o controle sobre si mesma. Este é o doente. Não há cura para esta doença. Há controle. Pouca gente sabe disso. Os que sabem mais, os psiquiatras e psicólogos que trabalham com o problema, geralmente são ignorados quando se fala sobre o assunto. Quantas vidas poderiam ser salvas se houvesse um mínimo de informação a respeito do assunto? Quantos alcoólatras ou craquelentos são confinados na rua, com a família virando as costas para eles, até que morram como seres humanos que não pertencem a esta sociedade que tem “vícios” muito mais danosos, principalmente para os outros? O que é mais triste, um político que rouba o dinheiro da área da Saúde ou aquele traste humano que está na rua e, quando tem ajuda de alguém, não encontra vaga no sistema público para ser internado e, quem sabe, retomar o controle sobre a própria vida? A esperança, contudo, existe. Oportunidades como as de sábado nos fazem crer nisso. Sempre que vou falar um pouco da rica experiência que tenho como sobrevivente, fico imaginando que, quem sabe, uma palavrinha daquelas várias que foram ditas pelos participantes da conversa pode ter sido ouvida e feito sentido para quem está no perdido no universo paralelo – e aí acontece mesmo a grande virada da vida.

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6 ideias sobre “Virada

  1. antonio carlos

    Beleza de texto, fica aí um alerta para a sociedade, sempre é hora para começar. Ou recomeçar.

  2. Eduardo Castanho

    Parabéns pelo post, pelo conteúdo, ao Diogo, ao Cordilolli (que é muito melhor que o Viapinana, do Estado).

  3. Célio Heitor Guimarães

    Graças a Deus por termos você, Grande ZB! E aqui em Curitiba, com uma lucidez e uma coragem de causar espanto. Seu exemplo pessoal é vida. Não esmoreça, continue na luta e conte conosco. Forte abraço.

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