18:46Lou Reed, adeus

por Antonio Gonçalves Filho (O Estado de São Paulo)

 
Morre, aos 71 anos, o guitarrista Lou Reed

Músico morreu de complicações hepáticas; ele havia passado por transplante de fígado em maio

 

Um mito da música pop à altura do que representou Andy Warhol para as artes visuais, o cantor e compositor norte-americano Lou Reed morreu ontem, aos 71 anos, de complicações relacionadas ao transplante de fígado a que foi submetido em abril deste ano. Usuário de drogas e bebidas alcoólicas por muitos anos, Reed cancelou shows programados na Califórnia naquele mês. Sua última aparição pública foi em junho, no Cannes Lions Festival Internacional de Criatividade. Na ocasião, ele revelou seu choque diante das revelações de Edward Snowden sobre a NSA (National Security Agency) e a omissão do presidente Barack Obama sobre a interceptação de telefonemas e mensagens eletrônicas de países estrangeiros pelo órgão de segurança nacional dos EUA.

 

No mesmo mês, em seu site, Reed disse que se considerava “um triunfo da medicina moderna” por ter sobrevivido ao transplante, anunciando aos fãs que continuava a compor e pretendia voltar aos palcos. Depois disso, o silêncio. Ontem, nem mesmo a imprensa estrangeira acreditava que ele havia morrido. Vale lembrar que, em 2001, uma rádio americana espalhou a notícia de sua morte por overdose. Quem primeiro noticiou sua morte foi o site da revista Rolling Stone. Seu empresário Andy Wooliscroft inicialmente negou, mas logo foi obrigado a admitir sua morte, resumindo sua fala a “Estou muito triste”. O certo é que, desde abril, Reed apenas sobrevivia com o fígado transplantado, surpreendendo até mesmo sua mulher, a cantora e também compositora Laurie Anderson, um dos grandes nomes da arte de vanguarda nos EUA.

 

Desde cedo frequentador da Factory, a fábrica de arte, música e cinema do artista pop mais célebre do mundo, Andy Warhol, Reed formou, em 1964, a Velvet Underground, a mais influente banda experimental nova-iorquina. Não era exatamente um êxito comercial, mas influenciou muitos grupos americanos e ingleses da cena punk com seu visual dark e uma cantora imposta pelo mentor da banda, Warhol. Seus integrantes não pareciam contentes com a modelo alemã Nico, mas ganharam de presente do pai da arte pop uma banana desenhada para a capa do primeiro disco, de 1967, The Velvet Underground and Nico.

 

Os temas que marcariam as canções de Reed já estavam todos no disco inaugural da banda: drogas (Heroin, sobre a experiência de John Cale com a heroína), sexualidade fora dos padrões (Venus in Furs, sobre relações sadomasoquistas) e comportamento marginal (There She Goes Again, a saga de uma prostituta de rua). Um dos sustentáculos musicais do Velvet Underground, John Cale, que tocou viola elétrica, piano e celesta no primeiro disco, saiu da banda logo no começo. Nico praticamente foi expulsa.

 

O Velvet sobreviveu sem os dois e gravou cinco discos até 1973, com canções menos provocativas. Em 1972, no segundo álbum solo de Reed, Transformer, ele emplacou seu maior sucesso, Walk on the Wild Side, que descrevia os tipos que circulavam pela Factory de Andy Warhol, mas, na verdade, era mesmo uma transposição musical dos temas do romance homônimo de Nelson Algren publicado em 1956. Algren (1909-1981) foi amante de Simone de Beauvoir e um militante vigiado pelo FBI por seu apego à classe operária e aos marginalizados (é dele o romance O Homem do Braço de Ouro, sobre um baterista e crupiê viciado em heroína, que, no cinema, foi interpretado por Frank Sinatra). Reed, um intelectual, lia tudo sobre o submundo americano. Adorava os escritores da beat generation. Era particularmente fascinado por William Burroughs. Nesse passeio pelo lado “selvagem”, ele topa com  transsexuais, drogados, prostitutas e prostitutos. A RCA lançou o disco nos EUA sem referência ao sexo oral que fez da canção uma peça de escândalo.

 

Lou Reed era um adolescente de 15 anos quando On the Road, a bíblia da geração beat, foi publicado. Sua admiração por Jack Kerouac fez com que ele imitasse não só o estilo beat de ser (blusão de couro, óculos escuros), como de viver. Bissexual, ele foi submetido pelos pais a uma violenta terapia de eletrochoque em 1956, para “curar” sua orientação erótica, um ano antes de On the Road (a traumática experiência é descrita na canção Kill Your Sons).

 

O cantor não deixou, claro, de ser bissexual. Foi uma grande influência para o andrógino David Bowie, um dos produtores de Transformer, que fez com ele um show inesquecível no Madison Square Garden, quando Lou Reed completou 50 anos. Culto, talentoso, embora antipático e por vezes grosseiro, ele esteve no Brasil em algumas ocasiões, entre elas para o lançamento de um livro. Além de músico, Reed colaborou com grandes diretores de teatro (Bob Wilson) e cinema (Wim Wenders) e lançou, no ano passado, o livroRhymes (Rimas). No Brasil, a Companhia das Letras lançou em 2010 o livro Atravessar o Fogo, com mais de 300 letras suas.

 

por André Barcisnki (Folha de S.Paulo)

 

Adeus, Lou Reed, príncipe da escuridão

 

O rock, como nós o conhecemos, não existiria se não fosse por Lou Reed.

 

 

 

Em meados dos anos 60, quando Reed conheceu John Cale, Sterling Morrison e Moe Tucker e juntos montaram o Velvet Underground, o rock era jovem – tinha 15 ou 16 anos – e, basicamente, rural. Rock era música de caipiras enfezados, fossem negros como Little Richard ou brancos como Jerry Lee Lewis e Elvis Presley.

O primeiro disco do Velvet, o mitológico “Velvet Underground & Nico”, de 1967 – o disco da banana – inventou o rock urbano.

Enquanto os hippies contemplavam viagens psicodélicas e balançavam as cabeças ao som da lisergia de “Sgt. Pepper’s”, Reed e sua trupe criavam a trilha sonora de metrópoles cinzas, sujas e perigosas, em canções sombrias sobre heroína, prostitutas, gigolôs e masoquistas.

Contra a complacência tecnicolor do hippismo, o Velvet só usava preto. Preto era a cor daquela época, em que napalm era despejado em aldeias do Vietnã e heroína infestava a Nova York que Reed e Cale conheciam tão bem.

Woodstock era para amadores. Troco meio milhão de hippies num pasto imundo por uma puta falando com seu cafetão em uma esquina imunda do Harlem, parecia dizer Reed, sempre dez anos à frente de todo mundo.

Dizem que o Velvet Underground nunca vendeu muitos discos, mas todo mundo que comprou montou suas próprias bandas. É verdade.

Em um disco, o Velvet levou o rock à maturidade, criando um modelo sonoro, estético e temático difícil de ser igualado.

Não dá para imaginar o glam rock, o punk, o gótico, o noise, o drone e o pós-punk sem Lou Reed. Ele inventou tudo.

Ele foi o transformer, o metal machine music, o guru que transformou microfonia em arte e podou os exageros sonoros do pop. Solos de guitarra tornaram-se obsoletos depois de Lou Reed.

Foi-se o príncipe da escuridão, o narcisista genial, o homem que parecia eternamente entediado com a mediocridade à sua volta e não escondia isso de ninguém.

Foi-se um dos artistas mais influentes e importantes da música dos últimos 50 anos.

 

DEZ GRANDES MOMENTOS DE LOU REED

Uma lista pessoal – em ordem cronológica – dos discos fundamentais do gênio

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

The Velvet Underground & Nico (1967) – Um dos discos mais importantes da música pop. Onze faixas clássicas que definiram o rock. Uma obra de arte, começando pela capa, passando pela voz gélida de Nico e chegando à distorção tonitruante de “The Black Angel’s Death Song”. Absolutamente essencial.

White Light White Heat (1968) – Último disco com John Cale, até hoje inigualado em termos de ousadia e experimentação sonora. Difícil imaginar que Jesus & Mary Chain, My Bloody Valentine e até o Buzzcocks existissem sem “Sister Ray”, com seus 17 minutos de barulho, improviso e inspiração.

The Velvet Underground (1969) – Sem John Cale, o VU virou praticamente a banda solo de Reed. Esse disco não traz os experimentalismos da era Cale, mas qualquer LP que tenha “Pale Blue Eyes”, “Candy Says” e “Beginning to See the Light” é um marco.

Loaded (1970) – O adeus de Reed ao Velvet foi uma tentativa de tocar no rádio. E deu certo, com músicas acessíveis e lindas como “Who Loves the Sun”, “Rock & Roll” e “Sweet Jane”.

Transformer (1972) – Obra-prima produzida por David Bowie e Mick Ronson, e um disco capital para o glam rock e, posteriormente, o punk. Traz um dos maiores sucessos comerciais de Reed, a emblemática “Walk on the Wide side”, mas os grandes momentos são “Satellite of Love”, “Perfect Day” e “Vicious”.

Berlin (1973)– Reed troca a guitarra pela orquestra e comete uma “ópera” sobre um casal em crise, num dos discos mais sombrios e tristes já gravados. A trilha sonora perfeita para uma época de depressão profunda e impulsos suicidas de Reed.

Sally Can’t Dance (1974) – Reed não estava bem da cabeça nessa época. Andava pelo Village com uma suástica na cabeça. Mas fez esse discaço que influenciou toda a cena punk da cidade,  com músicas viscerais como “Kill Your Sons” e “NY Stars”.

Coney Island Baby (1975) – Um dos discos mais subvalorizados da carreira solo de Reed , marca a volta do cantor ao rock depois das divagações orquestrais de “Berlin” e do experimentalismo noise de “Metal Machine Music”.

The Blue Mask (1982) – Com a ajuda do super guitarrista Robert Quine, Reed faz um disco triste e soturno, que emula os dias – ou melhor, as noites – de Reed com o Velvet.

New York (1989) – Uma ode à sua Nova York amada e um dos melhores discos da carreira solo de Reed. Difícil escolher a melhor canção: “Romeo Had Juliette”, “Dirty Blvd.”, “Halloween Parade”… O mais perto que Reed chegou de fazer um disco pop.

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