8:59Para onde vamos?

por Ferreira Gullar

 

Que o sonho da sociedade comunista, onde todos seriam iguais em direitos e propriedades, acabou, não é novidade para ninguém. É verdade que, apesar disso, há quem ainda insista em defender uma opção ideológica alimentada por aquele mesmo sonho.

 

Não obstante, na prática social, tudo indica que os valores de esquerda foram assimilados por uma boa parte dos políticos que já não lhes atribuem propósitos revolucionários. Do meu ponto de vista, isso é um avanço, já que defende o fim das desigualdades como o caminho inevitável da sociedade humana.

 

De qualquer modo, o projeto da sociedade comunista se desfez. Tudo bem. E o capitalismo? Para onde vai o capitalismo? É difícil dizer para onde ele vai, mas, no meu modo de ver, ele vai mal.

 

Não me refiro apenas à recente crise iniciada em 2008, porque muito antes dela, mesmo nos Estados Unidos, o mais rico país capitalista do mundo, o problema da desigualdade social jamais se resolveu.

 

Não me refiro à eliminação definitiva da pobreza. Isso parece fora de cogitação. Se não se encontra lá o mesmo nível de pobreza que encontramos em países menos desenvolvidos, nada justifica um tal grau de exploração do trabalho humano num país que produz a riqueza que ali se produz.

 

Não há nenhuma novidade em dizer-se que o capitalismo é o regime da exploração. E isso independe do empresário capitalista, que pode ser um feroz explorador ou um patrão generoso. Independe, porque a exploração é inerente ao sistema, voltado para o lucro máximo. E veja bem, como isso é a essência do sistema, quem descuida disso vai à falência. Ao contrário do que Marx dizia, a luta de classes não se dá entre trabalhadores e patrões, mas, sim, entre os patrões: é um tentando engolir o outro.

 

Não estou dizendo nenhuma novidade. Todos os dias nascem milhares de empresas, a maioria das quais vai à falência, derrotadas pelas outras. O mercado é de fato um campo de batalha, uma zona de guerra: quem não dispõe de armas e munição em quantidade necessária e com a suficiência exigida não sobrevive. É a lei da selva, que determina a sobrevivência do mais apto; a seleção natural a que se referia Charles Darwin.

 

Para vencer essa guerra, o recurso fundamental é o lucro máximo, o que pode ser sinônimo de maior exploração, seja do trabalhador, seja do consumidor. Claro que não é tão simples assim, porque, hoje em dia, os trabalhadores também dispõem de meios para se defender. Não obstante, na Coreia do Sul, hoje um dos países capitalistas mais florescentes, a quantidade de trabalhadores que se suicida é espantosa. A pergunta a fazer é: por que se matam? Certamente porque não são felizes naquele paraíso capitalista.

 

E não é porque todo o empresário capitalista seja por definição explorador e cruel. Nada disso. Na verdade, ele (a empresa) está voltado para tirar cada vez mais vantagem dos negócios que faz, e isso não apenas resulta em explorar os empregados -fazer com que o trabalhador produza mais ao menor custo possível- como pode provocar desastres como a bolha imobiliária norte-americana, que levou a economia do país ao desastre, arrastando consigo o sistema bancário e o empresariado europeus.

 

Os estudiosos do assunto garantem que, a certa altura do processo, era possível antever o que inevitavelmente ocorreria, mas a aspiração ao lucro e tudo o mais que isso envolve não permitem parar. Não por acaso, as crises do capitalismo são cíclicas.

 

E o mais louco de tudo isso é que o capitalista individualmente pode acumular bilhões de dólares em sua conta bancária. Mas de que lhe serve tanto dinheiro? Quem necessita de bilhões de dólares para viver?

 

Ninguém precisa. Por isso, Bill Gates doou sua fortuna a uma entidade beneficente que trata de crianças com Aids e, depois disso, ele mesmo abandonou a direção de sua empresa para ir dirigir aquela entidade beneficente. Em seguida, convenceu outros capitalistas a fazerem o mesmo. É que ganhar dinheiro por ganhar dinheiro, a partir de certo ponto, perde o sentido.

 

O que o capitalismo tem de bom é que ele estimula a produção de riqueza e isso pode ajudar a melhorar a vida das pessoas, mas desde que não se perca a noção de que o sentido da vida é o outro.

 

 

*Publicado na Folha de São Paulo

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