8:26Na cápsula

por Sergio Brandão

 

É dentro de uma cápsula que passa a vida como um filme. Toda iluminada, com ventilação, no enredo do filme passa coisa boa e ruim. São 40 minutos lá dentro, onde a gente também é solicitado a trabalhar. Além da imobilidade, do desconforto dentro de um pequeno espaço, lá é só você e seus pensamentos. E quando eles são ruins, o espaço fica menor ainda. O filme vai sendo costurado em preto e branco e em cores. Penso que a vida do astronauta deve ser pior. Naquela posição durante dias, semanas, às vezes meses.

 

Como a gentileza no atendimento é uma das características do lugar, imagino que vão me bajular na saída. “Pronto, seu Sérgio, acabou! Parabéns, o senhor foi um bom menino”- dirá a equipe que me espera do lado de fora. Penso numa resposta. Na ponta da língua me vem : “Existe coisa pior”.

 

Quando sou requisitado ao trabalho, para ajudar segurando e soltando a respiração, até ajuda a fazer o tempo passar, mas quando são 5, 10 e sei lá quantos minutos com aquela máquina trabalhando sozinha, sem me pedir que respire e aspire – e com múltiplos barulhos – , a paciência se esgota rapidinho. A única coisa que consigo pensar é que se eu me mexer, atrapalho tudo e muito provavelmente vão dizer que eu não colaborei e a operação precisa ser refeita. Não quero fazer isso novamente. Além da espera, aplicação de contrastes, expectativa, ansiedade… passar por aquilo tudo ainda tem a espera pelo resultado do que a cápsula vai falar de mim depois de escanear meu corpo inteiro.

 

A máquina parece incansável avaliando meu organismo detalhadamente. Seus olhos são como de uma coruja numa noite onde nada escapa na busca de algo que nem eu e nem ela sabemos ainda se existe.

 

Volto a pensar no que me levou até lá. Uma coisa de cada vez. Me acalmo. Penso que aquilo encerra uma etapa de investigação. Por enquanto é só uma investigação. Nada além de uma investigação é o que aquela máquina faz com meu corpo fique preso lá dentro. Ela me investiga. Às vezes parece que ela para e processa algumas informações, ou detectou algo e faz uma leitura mais apurada. Algumas vezes percebo que chego à porta do desequilíbrio. A cabeça me chama e retomo o controle. São sete dias, sete noites na espera daquele momento. Os olhos de coruja da máquina dirão como será a minha vida nos próximos meses, semanas, dias, ou com alguma sorte, anos.

 

Ela me libera depois dos exatos 40 minutos. Respiro aliviado quando a moça diz: “Pronto seu Sérgio. O senhor se comportou direitinho e o exame foi um sucesso. Foi difícil?”

 

Uma das etapas, a de investigação, está terminada. Agora é esperar pelo seu relatório. Em 3 dias ela me dirá.

 

Sábado, 21 de setembro, o mês tinha que ser o mesmo do maior atentado. Ventos de quase 80 km passam pela cidade. Se comportam como quem trazem notícias, ou levam coisas que ainda restam? Será o início de uma nova fase, ou presságio agourento?  A verdade é que o vento traz um ar diferente. Parece mesmo querer dizer algo. Acompanhado do calor e de um sol forte.

 

No horário marcado volto ao lugar da cápsula. É a palavra final da coruja que me olhou, avaliou e já sabe me dizer se tenho algo nos órgãos internos.

 

Todos estão envolvidos com os resultados da ressonância magnética e tomografia e alguns outros exames que ficaram pelo caminho.

 

Nascendo de novo, com nova data e registro de nascimento e desta vez em setembro, mês de muitos amigos importantes, mas o mesmo do atentado das torres gêmeas? Ou o começo de uma briga nova, agora pela vida que quero manter saudável?

 

Abro dois laudos médicos. Mais parecem um texto escrito em grego. Nem o melhor tradutor diria algo sobre aquilo naquele momento. Recobro a lucidez e procuro entender o que me diz respeito. Deduzo algumas coisas, mas ainda desconexas com outras informações que não entendo e também não sei avaliar se são relevantes, mas parecem estar em ordem.

 

O pior passou, ainda não sei se são dias, semanas ou anos. O médico não me retorna a ligação para me tranquilizar ou me assustar de vez.

 

Uma amiga me lembra que hoje é o dia da árvore. Os ipês dizem isso em tom amarelo.

 

Me acalmo e durmo um sono de 7 dias, sete noites.

 

Retomo a vida que segue lá fora.

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2 ideias sobre “Na cápsula

  1. sergio brandão

    Sérgio Brandão
    Procuro preservar as relações. Me considero normal. Tenho todo tipo das relações de amizade. Procuro preservar todas elas. As de amizade profunda, de amizade distante, de afetividade, de carinho, de jogar conversa fora, de afinidades, até as relações por educação. Cada uma com o seu nível de importância, umas mais, outras menos. Nestes anos todos, já entendi que as relações de trabalho são mais sensíveis, as mais difíceis e frágeis. Geralmente são destas relações que pode sair um inimigo, mesmo que você não o considere assim. Quase sempre é por conta de algo construído durante algum desentendimento. Vai depender de você e do colega.
    Tenho me educado para não carregar rancor. Faz mal, tem efeito de veneno contra a gente mesmo. As vezes demora um pouco, mas sempre consigo eliminar. Mas tem gente que por alguma razão carrega isso para a vida toda, muitas vezes sem se dar conta. Usa isso como escudo, defesa, sabe-se lá por que.
    Por algum tempo bati no peito dizendo que não tinha inimigo. Demorei pra acreditar, mas descobri que tenho. E usando os critérios acima, descobri que podem ser muitos, pelo menos uns 4. Nunca parei pra pensar nisso.
    Por conta de uns textos que fiz, publicados com alguma frequência no blog do Zé Beto, descobri que independente do tema, vinha nos comentários dos leitores, uma crítica, sempre ofensiva diretamente ao texto, questionando a qualidade dele, o estilo e não o conteúdo.
    O tal de Júlio aí em cima, já se apresentou de várias formas, com vários nomes, mas sempre com o mesmo rancor.
    Como o meu objetivo nunca foi criar nenhuma peça literária, no começo até achei engraçado alguém se dar ao trabalho de criticar o estilo de um texto sempre casual, destes que falam da vida. Isso já dura um bom tempo, todo texto publicado aqui no Zé, lá está a crítica, sempre mal educada, visivelmente para magoar.
    Nem de longe a artilharia me acerta ou me prejudica profissionalmente, mas confesso que agora ando incomodado. Porque não gosto da ideia de ter alguém lá do outro lado me atirando pedras. É energia ruim.
    Pergunta: quem carregaria uma raiva assim, tão grande? Por que? Como disse, não precisamente, mas na verdade me preocupa muito mais o que motivaria uma raiva assim. Neste caso, se sei mesmo quem é, não precisaria de muito para criar maldades. Sei bem o limbo em que anda, o meio que frequenta.
    Continua valendo o que disse na primeira linha . Procuro preservar as relações, mas neste caso me refiro aos amigos. Das pedras, continuo me esquivando.

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