7:45Além do julgamento

por Jânio de Freitas

 

Tanto nos ataques mútuos e entremeados de inconfiáveis elogios, como nas entrelinhas das formulações teóricas dos magistrados, as sessões do Supremo Tribunal Federal têm oferecido, ainda que sem tal propósito, temas de interesse mais geral do que o destrói ou não destrói José Dirceu.

Foi pródiga, nesse sentido, a sessão em que o Supremo se inviabilizou no empate de cinco a cinco, que vale o mesmo que o empate de zero a zero, duas partes que se anulam. O que reduziu todo o poder de decisão, no Olimpo do Judiciário, à voz de um só.

A discussão entre os ministros Marco Aurélio Mello e Luís Roberto Barroso, por exemplo, tem a ver com mais do que a influência da opinião externa, ou “do país”, sobre o tribunal. Em resposta a Barroso, que se disse subordinado à sua consciência de juiz e não à multidão, e muito menos ao que dirão os jornais do dia seguinte, Marco Aurélio proclamou-se subordinado, sim, “aos contribuintes” a que “deve contas”.

É um assunto que deveria figurar entre as preocupações permanentes das redações e dos seus jornalistas, dos críticos culturais, dos colunistas de costumes, de procuradores e promotores públicos, e de muitos outros. Deveria. A regra predominante, considerado o conjunto das atividades sensíveis ao tema, é procurar se “dar bem” fazendo “média” com a tendência mais favorecedora.

No caso suscitado pelos dois ministros, a prevalência da opinião mais exposta poderia até dispensar os juízes e os julgamentos, bastando aplicar a presumida vontade dos “contribuintes”. E ainda chamar isso de “democracia direta”, para alegria de certos esquerdoides.

Mas o risco não é de desemprego. A “vontade do povo” foi um argumento utilizado por juízes na Alemanha nazista e depois repetido nos julgamentos em que foram eles os réus, no pós-guerra. E, mesmo sem chegar a extremos políticos, sabe-se que a opinião do povo, da multidão, do contribuinte, ou lá que categoria se use, é manipulável e pode ser distorcida pelos meios que aparentemente a refletem quando, de fato, a induzem. Opinião pública: o que é isso, afinal?

Não foi Marco Aurélio nem foi Barroso quem suscitou o tema. Foi Gilmar Mendes.

A sessão seria cansativa, com votos muito extensos, não fosse Gilmar Mendes oferecer uma representação criativa, e a TV estava ali também para isso, como sempre. Dramático, espacial nos gestos teatrais, a voz ondulante como nos mares bravios, o ministro tonitruou um discurso à maneira dos tribunos das oposições de outrora, bem outrora. Estava preocupado porque “o país está a nos assistir” (o infinitivo dos portugueses, em vez do gerúndio dos brasileiros, é permanente, digamos, no seu estilo). E o STF não pode decepcionar esses espectadores, povo, contribuintes, as ruas. Preocupação muito reiterada, em especial, com referência ao número absurdo de sessões consumidas pela Ação 470: já 53! Um absurdo! E tome exclamações.

Foi bom o ministro recorrer à velha oratória, mas não à velha aritmética. Iria lembrar-se de que a Ação 470 levou 38 réus ao STF. Logo, implicou 38 julgamentos. Em média, portanto, cada um não ocupou nem uma sessão e meia. Incluídas no total e na média as sessões que não foram exatamente de julgamento, mas ocupadas com os recursos chamados embargos declaratórios e já com os combates pelos embargos infringentes. Se a aritmética é lembrada, lá se ia um pedaço fundamental da representação.

Tanta preocupação com o esperado do STF pelos espectadores e contribuintes (não são necessariamente a mesma coisa, sabendo-se que a classe alta acompanha o julgamento com o mesmo interesse que aplica na sonegação –e há quem diga que pelos mesmos motivos) leva a alguma dúvida. Porque, até onde se soube com certeza em nossos dias, o que todo cidadão brasileiro pleiteia do Judiciário é a segurança de que cada um conte com a busca da verdade e da justiça possíveis, para que ninguém seja injustiçado por pressa de juiz nem por interesses políticos ou econômicos.

 

*Publicado na Folha de São Paulo

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2 ideias sobre “Além do julgamento

  1. SFU

    Ao criticar o juiz que disse haverem ocorrido 53 sessões, Jânio erra grosseiramente ao vinculá-las exclusivamente ao número de processados. Esquece ele que ocorreram sessões preparatórias anteriores, assim como ocorrem estas atuais, de análise de recursos. Por ser erro grosseiro, advindo de colunista experiente, só podemos entender o fato como intencional, em favor dos criminosos e contra os juízes que os condenam. Mas, enfim, isto é comum à parte da imprensa comprada para endeusar uns e demonizar outros.

  2. Emerson Paranhos

    O que o infeliz cronista diz é o seguinte: Vamos aparelhar o Supremo, com os Barroso da vida (defensor do terrorita assassino Battisti, com a celebre frase: “sómente existe Terrorista de direita” então de esquerda não vale e tem de ser inocentado. Pronto então a pressão será apenas daqueles que nomearam e da consciência em débito com quem o nomeou, seus patrões. Então o resto que se liche, a opinião pública, os contribuintes etc. O que vale é o que quer quem nomeou, no caso a PRESIDENTA, esta com um passado de terrorismo de esquerda, e como disse o defensor de terrorista: de esquerda não é terrorista e ditador de esquerda não é ditador é lider.
    Taí o resumo do aparelhamento daquela instiuição plena de vaidade e soberba chamada Supremo.
    Bons tempos aqueles que discordando de quem o nomeou um ministro jogou a toga e se mandou, isto em pleno regime, o qual se chama hoje de ditadura, e que ditadura, não aconteceu NADA com o jurista dissidente. Já pensou se fosse em Cuba? o Sr Adalto Lucio Cardos sumiria em um paredón, executado pelo paladino da justiça, aquele que matava com ternura assassino internacional Che Guevara. O bandido idolatrado por ter saído bonito em uma foto com boina.

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