7:21A ordem é chutar na canela

por Ivan Schmidt

 

Embargos infringentes. O prezado leitor já tinha ouvido falar de semelhante coisa? Não? Pois bem, milhões de patrícios (dentre os quais o escriba) também devem estar sendo apresentados — por esses dias — a essa entidade incorpórea subitamente brotada do emaranhado de dispositivos que dá forma ao que se chama, não sem pompa e circunstância, de ordem jurídica.

O cenário é o julgamento dos réus do mensalão, que depois de meses de trabalho (e muita bulha) condenou a todos, sem exceção, embora com a aplicação da dosimetria das penas de conformidade com a gravidade dos delitos cometidos sob as ordens do então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu de Oliveira e Silva.

O ex-procurador geral da República, Antonio Fernandes de Souza, ao oferecer denúncia contra a penca de acusados perante o Supremo Tribunal Federal (STF), argumentou que o ex-ministro havia se comportado como autêntico “chefe de quadrilha”.

A engenharia era simples. O diretório nacional do PT precisava de dinheiro para saldar as famigeradas dívidas da campanha que elegeu Lula. O custo financeiro da operação foi gigantesco, embora os compromissos com os partidos tardassem a ser cobertos. O tesoureiro do PT, Delúbio Soares, um taifeiro fiel aos superiores se virou como pôde, mas a grana não chegava para todos.

Foi nessa parada que entrou em cena o publicitário mineiro Marcos Valério, o homem que iria amealhar a bolada que o PT precisava, cuja experiência havia sido comprovada em campanhas eleitorais anteriores nas Alterosas. O esquema previa a cooperação de alguns bancos de Minas, dinheiro do Banco do Brasil (supostamente para ser gasto em publicidade) e, alguma competência para esconder a trama enquanto fosse possível.

Contudo, em política todos sabem que trato custa a ser cumprido, especialmente quando há dinheiro no meio. O PTB de Roberto Jeferson tinha a bagatela de alguns milhões em haver na tesouraria do PT, até que a certa altura não mais agüentou a pressão de integrantes de seu grupo e botou a boca no trombone. Foi ele o autor da primeira notícia pública sobre a derrama de dinheiro operacionalizada pelo PT, sob o comando de Zé Dirceu.

Como alguma quirera estava sendo entregue a um grupo de deputados federais, talvez para mantê-los em silêncio obsequioso, Roberto Jeferson, na entrevista à Folha de S. Paulo apelidou de “mensalão”, o tal esquema de propinas. O Congresso implantou uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), cujo relatório final embasou a denúncia formulada pela Procuradoria Geral da República. O Supremo Tribunal Federal fez sua parte e em plena vigência do julgamento, o ministro Joaquim Barbosa, relator do processo, substituiu o ministro Carlos Ayres Britto na presidência da Corte.

Bem, depois de tudo isso, dos intermináveis votos dos ministros em cada peculiaridade em julgamento, das disputas verbais entre vetustos homens de toga (isso equivale a dizer dos chutes nas canelas) e das condenações severas impostas a todos os réus, o STF viu-se agora na contingência de analisar os chamados embargos infringentes. O palavrão composto quer dizer que nos casos em que houve quatro votos pela absolvição do réu, este tem direito reconhecido ao recurso. São onze os condenados da primeira fase com essa possibilidade e, alvíssaras, com a probabilidade de redução das penas e até de absolvição!

Na hora do julgamento, em meio a uma floresta de evidências incriminadoras, os quatro ministros que votaram pela absolvição (nem sempre foram os mesmos, é verdade), devem ter sido tocados por avassaladora compaixão. É que nenhuma testemunha teve capacidade de dizer se os mensaleiros receberam o dinheiro atado com aquelas manjadas tirinhas de borracha.

Por mais que os inquisidores tivessem se esforçado, nenhum conseguiu descobrir se o dinheiro estava em envelopes pardos ou sacolas de supermercados. E somente esse detalhe faz diferença brutal na elaboração do voto! Todavia, o fato que embaralhou o foco dos quatro julgadores — em verdade vos digo — é que ninguém viu ou soube se os bravos rapazes da propina receberam sua cota em notas de 100, 50 ou 20 reais!  E esse é um fator de importância capital em julgamento desse porte.

Os ministros Luis Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber e José Antonio Dias Toffoli, até o início da tarde de quinta-feira (12) haviam votado a favor do novo julgamento. Os votos contrários tinham sido dados pelo presidente Joaquim Barbosa e pelo ministro Luiz Fux, que provavelmente serão acompanhados por Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello. Contado como voto certo a favor dos réus estava o do ministro Ricardo Lewandowski.

Assim, especulava-se que faltaria apenas um voto (o sexto) e este poderia vir do decano da Corte, o ministro Celso de Mello, que nos debates anteriores fez inúmeras intervenções favoráveis aos mensaleiros. No momento em que o caro leitor estiver lendo esse comentário, é quase certo que o STF terá que recomeçar do zero os julgamentos dos onze infringentes, com a obrigatoriedade de indicar novo relator e novo revisor da maçaroca.

Os crédulos supõem que se for esse o desfecho, lá pelo final de 2014, tudo estará terminado e uma pizza gigantesca será patrocinada por José Dirceu e sua banda na praça dos Três Poderes.

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3 ideias sobre “A ordem é chutar na canela

  1. poor devil

    O Governo e seus comparsas desta vez ainda correm o risco de verem, um dia, um companheiro de luta ser condenado pela Justiça. Mas esta é a última vez, porque o Estado está aparelhando o Judiciário com companheiros de toda ordem e sorte. O bandido dos bandidos, o mentor do Mensalão vai pagar pelo crime da arrogância e da prepotência, se é que vai pagar, porque se responder a novo julgamento é capaz de nos processar por dano moral. Aí nós (a sociedade) é que vamos parar no banco dos réus.

  2. Ivan Schmidt

    No final da tarde dessa quinta (12) a votação ficou empatada em cinco a cinco. O voto da ministra Carmen Lúcia — que muitos achavam que seria a favor dos infringentes — impediu que esses já começassem a estourar champanhes. Então, o suspense fica para a próxima quarta-feira (25) quando o último voto será proferido pelo decano Celso de Mello.
    O ilustre jurisconsulto nascido em Tatuí (SP) está próximo da aposentadoria e, provavelmente, será esse o voto mais importante de sua passagem pela Suprema Corte. Seria espetacular o voto decisivo pelo arquivamento dos tais embargos. O Brasil todo se curvaria diante do corajoso descortino do homem.
    Mas… sei não… as alegações feitas por Celso de Mello no final da sessão do STF, os ademanes, a prosopopeia peculiar aos homens de toga e… até a declaração altamente simpática ao acatamento dos embargos, feita em agosto de 2012, estão deixando meio mundo com a pulga atrás da orelha…

  3. Glauber Rock

    (…)Embargos infringentes. O prezado leitor já tinha ouvido falar de semelhante coisa? Não? Pois bem, milhões de patrícios (dentre os quais o escriba) também devem estar sendo apresentados — por esses dias — a essa entidade incorpórea subitamente brotada do emaranhado de dispositivos que dá forma ao que se chama, não sem pompa e circunstância, de ordem jurídica.

    Esse é um remedio juridico que esta explicitada na CF desde tempos idos e que nunca foi aplicada, por isso não existe regulamentação, como outras materiais que estão dentro da CF, mas que existe, existe…embargos inflingentes??? Como o nosso judiciário é elitista/oligarca/golpista…esse remédio poderia ser usado por para safar da cadeia algum poderoso da elite de plantão, mas a “ninguenzada” do PT a descobriu e a esta usando, ponto. Então o STF4p – 4p=preto/pobre/puta e agora petista, se embananou todo, em aplicar o golpe jto com os Barões da Mídia. O problema é o Zé Dirceu. Estúpido!

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