7:35Funeral no sitio

por JamurJr.

 

No tempo em que Guaratuba vivia quase isolada do resto do estado, sem rodovias, valendo-se da perícia do motorista do Expresso Pássaro Azul, conhecido pelo apelido de Camarão, para chegar até  Paranaguá pela praia, a pequena vila ainda mantinha hábitos tradicionais herdados dos portugueses. Seus habitantes viviam sem assistência médica, não havia farmácia nem hospital. As pessoas doentes eram tratadas com ervas, benzimento e muita fé. Havia dezenas de fórmulas para vários tipos de doenças. Dor de garganta nas crianças era caso para comer cebola assada com açúcar. Disenteria, coisa comum numa época sem água tratada, se curava com chá de folhas de goiabeira e abacateiro. Pneumonia, uma doença muito temida, exigia tratamento mais sofisticado: xarope de guaco com agrião, mel e cataplasma de farinha de linhaça ou mandioca sobre o peito do paciente. Para gripes a receita era simples: chá de sabugueiro, ou escalda-pé. Para lumbago, que nesse tempo atendia pelo apelido de “dor nas cadeiras”, indicavam cataplasma de mostarda com tintura canforada. Nas inflamações de qualquer tipo usavam erva moura, picão-preto e erva baleeira. Frieira, muito comum no litoral, tinha um tratamento especifico de grande eficácia. Colocavam numa vasilha algumas folhas de mangue, outras de aroeira e banhavam o pé nessa mistura com água bem quente. Para aliviar dor de dente a receita era muito estranha. Tiravam o sarro do pito (resto de fumo no fornilho do cachimbo de barro), misturavam com pimenta em pó e colocavam na cavidade feita pela cárie. Picada de cobra, coisa rotineira para quem vivia em regiões mais distantes, era curada com suco de tronco da bananeira São Tomé e um pouco de álcool. Esse mesmo suco de bananeira usavam também no tratamento de risipela e hemorroidas. Nem sempre as aplicações dessas formulas davam certo. Essa medicina caseira, considerada pela maioria dos antigos moradores como muito eficiente, tinha suas limitações. Quando as ervas perdiam a batalha para a doença e o paciente morria, começava um novo problema – o enterro do falecido. Nos sítios onde não havia cemitério, os mortos eram transportados em canoas até a Vila para que recebessem um sepultamento cristão. Viajavam várias horas, numa canoa grande que acomodava alguns familiares e o caixão do defunto. Remavam durante muito tempo até chegar no trapiche da Rua da Praia, de onde seguiam até o cemitério da cidade. Antes do embarque a família realizava uma cerimonia tradicional, com todos os amigos e parentes reunidos em torno do caixão. Os presentes, liderados por um familiar, geralmente o mais idoso, formavam um coro de vozes desafinadas e desencontradas e chamavam três vezes o falecido pelo nome: João, João, João. Em seguida finalizavam com a seguinte frase: “Você vai para ficar e nós vamos para voltar”. Depois, colocavam o caixão na canoa e embarcavam para a longa viagem.

 

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