6:54Carências brasileiras

por Célio Heitor Guimarães

 

Com as eleições se aproximando, a nossa diligente “presidenta”, tão ciosa das necessidades nacionais, bem poderia expandir as importações. Afinal, médicos não são a única carência do atual Brasil. Falta-nos professores, policiais, padres, juízes e um mundão de gente.

 

Meu irmão Rui Bacellar, pai, que trocou o vademecum pelo ócio às margens da Baía da Babitonga, ali na bela e Santa Catarina, sugere que tragamos mestres da Grécia, policiais da Scotland Yard, monges do Tibet, juízes da Inglaterra ou do Irã e até, quem sabe?, – acrescento eu – banqueiros da Suíça. E, para equilibrar a balança comercial, poderíamos exportar presidentes analfabetos, presidentas búlgaras, ministros da suprema corte de justiça, políticos… Políticos, não! Vejam o que aconteceu com a recentíssima importação do senador Roger Pinto Molina da Bolívia!… Deputados e senadores não se importa. Permuta-se. Vem o Molina, vai o Renan ou o Sarney. Em se tratando da Bolívia, melhor será mandar o Fernando Affonso Collor de Mello.

 

Só que isso não seria possível, meu querido Rui. Estaria fora dos parâmetros escolhidos pelo governo petista. O negócio há que ser feito com nossos parceiros do Mercosul, em especial aqueles envolvidos em problemas que demandem a entrada de capital e a saída de ideologia. Desse modo, a “mercadoria”, seja ela qual for, deve vir, preferencialmente ou exclusivamente, de Cuba, Venezuela e Bolívia. Poderia ser também da Argentina, como, por exemplo, bons cortadores de carne e bons produtores de vinho, mas é melhor deixar a Argentina de fora porque a “presidenta” Cristina tem certas manhas de grandeza e vive querendo disputar a liderança da América Latina com a nossa Dilma. Aí, haveria um conflito incontornável não apenas de interesses políticos, mas de vaidade, elegância e beleza… Ops, eu não deveria colocar mulher no meio, isso já me rendeu a pecha de discriminador e racista…, mas agora já foi.

 

Essa do senador boliviano Roger Molina, resgatado da prisão que cumpria na Embaixada do Brasil, em La Paz, pelo próprio encarregado de negócios da representação brasileira, foi amargar. Para o governo de Brasília. O senador Molina, perseguido político de Evo Morales, que lhe atribui crimes que ele não cometeu, refugiou-se, em maio do ano passado, na Embaixada do Brasil na Bolívia. O governo brasileiro concedeu-lhe asilo e ficou à espera do salvo- conduto do governo boliviano para tirá-lo do país. Mas o salvo-conduto não veio. Evo Morales preferiu “esquecer” Roger Molina no confinamento de uma sala, sem poder sair, tomar sol, receber visitas, nem mesmo da família. Durante quinze meses. O Itamaraty manteve-se silente, em obsequiosa reverência a Morales. Molina começou a ter problemas de saúde, caiu em depressão, começou a falar em suicídio. Na sala ao lado, o diplomata brasileiro Eduardo Saboia não suportou mais a humilhação e a tortura, que comparou com a prática do DOI-CODI, do tempo da ditadura. Não dedicou mais de vinte anos à diplomacia para virar carcereiro de criminoso sem crime. Colocou Roger Molina em um veículo da embaixada e com ele cruzou a Bolívia, em um trajeto de 1.600 quilômetros e 22 horas em direção ao Brasil.

 

Aqui, a “presidenta” Dilma, prima-irmã de Morales, teve um acesso de fúria. Trocou o ministro das Relações Exteriores, afirmou que a tortura de Molina não se compara com a do DOI-CODI e congelou nos subterrâneos do Itamaraty o diplomata Saboia. Não se sabe se atenderá a exigência do governo bolivariano de extradição do senador boliviano. Mas com certeza manchou um pouco mais a sua biografia e desafinou muito o discurso petista de liberdade e respeito aos direitos humanos. Eduardo Saboia apenas fez o que o governo de Brasília deveria ter feito e não fez.

 

Quando a poeira passar e o Brasil respirar novos ares, Saboia, que foi capaz de agir com consciência e de acordo com os seus princípios humanitários, integrará o rol de diplomatas brasileiros, como João Guimarães Rosa, sua mulher, Aracy de Carvalho, e Italo Zappa, que tiveram a coragem de agir como seres humanos, colocando em risco suas carreiras e desobedecendo as autoridades de plantão, para salvar a vida de incontáveis famílias de judeus do nazismo, e de brasileiros banidos pela ditadura de 64, respectivamente – como bem lembrou a revista Veja desta semana. A História far-lhe-á justiça.

 

PS – Por falar em Justiça e Justiça com J maiúsculo, não posso deixar de congratular-me com o egrégio Tribunal de Justiça do Estado, que nesta quinta-feira acolhe como desembargador o juiz Roberto Portugal Bacellar. É um jovem e brilhante magistrado com uma história de vida pessoal e profissional de grande dignidade, humanidade e correção. Fará muito bem à vetusta Corte e à concretização da Justiça.

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3 ideias sobre “Carências brasileiras

  1. Parreiras Rodrigues

    Dá não (prá não esquecer minha origem baiana, parte materna) prá comentar escrito do dr. Célio Guimarães.
    Primeiro, porque ele fala a língua da gente. Segundo, porque fala o que a gente quer falar e terceiro porque não dá mesmo prá comentar o escrito do dr. Célio Guimarães.
    Tô doidinho prá botar aqui algo original, algo novo para manifestar a minh’alegria por ter lido texto tão leve, límpido, lúcido e direto. E contundente. Mas, o máximo que achei lá no resto da fita magnética da minha memória, lotada por isso cansada, foi: Seria cômico se não fosse trágico.

  2. Célio Heitor Guimarães

    Obrigado, Parreiras. Você sempre presente com uma palavra de apoio e incentivo. Mas quando não concordar comigo pode (e deve) dizer também. Não o conheço pessoalmente, mas tenho-o como amigo, daqueles que se guarda do lado esquerdo do peito, como diz Milton. Mas não me chame de dr. Não sou dr. Apenas me formei advogado por circunstâncias da vida. Queria mesmo era ser jornalista, para poder ajudar a mudar o mundo. Tenho feito o que posso, hoje abrigado aqui neste puxadinho do blog do grande Zé Beto. Um forte abraço.

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