7:33Faraó sai do sarcófago

por Ivan Schmidt

 

Aonde foi parar a primavera árabe? O que acontece hoje no Egito, um dos países que vivenciou o processo de afastamento do ditador Hosni Mubarak para realizar eleições livres, pela primeira vez depois de muitas décadas, a fim de escolher democraticamente o novo presidente?

São bárbaras as cenas exibidas nas televisões do mundo todo e nas primeiras páginas dos jornais, mostrando a barbárie instalada nas ruas e praças das principais cidades do país, especialmente no Cairo, local de sangrentos confrontos entre forças do Exército que depôs o presidente eleito Mohammed Mursi e o mantém preso em lugar ignorado e os opositores da Irmandade Muçulmana.

Nessa quarta-feira (14) ocorreram no Cairo os conflitos mais violentos desde o golpe de Estado de 3 de julho, registrando-se a morte de 525 pessoas (número aceito pelo próprio governo), embora a Irmandade tenha anunciado que a quantidade de vítimas já  passa de 4,5 mil, reiterando a disposição de continuar resistindo pacificamente.

Os alvos principais do governo foram dois acampamentos islâmicos na capital, organizados para exigir a volta de Mursi ao poder (um dos membros da Irmandade Muçulmana), que há 80 anos luta para assumir o poder no Egito. Quando conseguiu fazê-lo mediante eleições livres após a queda de Mubarak, passados poucos meses, um golpe liderado pela cúpula do Exército mudou radicalmente o cenário.

A Irmandade Muçulmana, segundo agências internacionais, é uma organização que se opõe às tendências seculares e prega a volta dos ensinamentos do Corão, rejeitando acima de tudo a influência ocidental. Em vários países da região, mesmo tendo sido fundada no Egito por Hasan al-Banna, em 1928, a Irmandade passou a ter atuação política, sem abandonar o lado religioso e social como a construção de mesquitas, escolas e hospitais.

Nas últimas décadas a Irmandade Muçulmana se tornou a mais importante representação política fundamentalista do ramo sunita, estendendo-se a vários países. No Egito governado por Hosni Mubarak a facção passou para a clandestinidade e lá ficou por 40 anos até a eleição de Mursi. Por ironia do destino, este conseguiu manter-se no poder por apenas um ano.

Analistas dizem que os sangrentos episódios nas ruas e praças cairotas, especialmente, estão moldando o comportamento das próximas gerações, argumentando que a euforia nacional com a queda de Mubarak já parece um fato muito distante. Uma das alegações é que o presidente Mohammed Mursi “não governava para todos os egípcios — como tinha prometido – mas para seus partidários” escreveu Jeremy Bowen, editor de Oriente Médio da BBC.

A Irmandade Muçulmana lutou pelo poder no Egito desde 1928, mas o presidente Mursi não conseguiu construir um consenso nacional certamente influenciado pela ideologia da entidade político-religiosa que pretendia mudar o Egito, mas de acordo com o seu modelo exclusivo.

Bowen acrescentou que o general Abdul Al-Sisi, chefe do Exército e autor do golpe que afastou e prendeu Musri quer fazer a mesma coisa, isto é, mudar o Egito, embora os primeiros resultados tenham vindo na forma de um fratricida banho de sangue. A intenção confessa do governo é estabelecer a democracia plena no Egito, mas a intensidade com que a violência passou a explodir sobre os membros da Irmandade Muçulmana, parece indicar que seu real objetivo é destruir a organização como força política.

Poucos poderiam supor que apenas 18 meses depois que a Irmandade Muçulmana e seus aliados desfilaram na mídia mundial como grandes vencedores das revoltas árabes, as manchetes passariam a alardear situação completamente inversa, havendo os que prenunciam a iminência da guerra civil na terra das pirâmides.

A agência oficial do governo egípcio anunciou que as autoridades judiciais do país resolveram estender por mais 30 dias o confinamento de Musri em local não revelado, sob a acusação de assassinato por ocasião de sua fuga da prisão na revolução de 2011. Nessa quinta-feira (15) estavam programadas novas manifestações da Irmandade em Alexandria e no Cairo, em protesto à carnificina da véspera e desafio à decretação do estado de sítio, segundo revelou El País. Gehad el Haddad, porta-voz da Irmandade escreveu em sua conta no twitter: “Seguiremos avançando até derrubar o golpe”.

Na ditadura de Mubarak, o país permaneceu sob estado de sítio durante 30 anos, sendo a medida suspensa em maio desse ano, na fase de transição motivada pela queda daquele governante. Outra medida do governo foi o fechamento “por prazo indeterminado” do posto fronteiriço de Rafa, único acesso à Faixa de Gaza não controlado por Israel. O antigo regime também havia restringido a utilização da passagem em 2007, após a tomada do território pelo movimento islâmico Hamas.

A onda sanguinária também foi constatada em inúmeros pontos do vale do Nilo, com o apedrejamento ou queima de igrejas da minoria cristã copta, acusada pela Irmandade Muçulmana de ter apoiado o golpe do general al-Sisi. Também por isso, o governo decidiu restabelecer a vigência do estado de sítio, além de ordenar o toque de recolher das 19h às seis da manhã nas províncias onde estão localizadas as maiores cidades do país.

A comunidade internacional, por meio dos chefes da diplomacia dos principais países (Estados Unidos e União Europeia), assim como o secretário geral da ONU, Ban Ki-Moon reagiram com contundência à extrema brutalidade dos ataques militares e policiais contra a Irmandade Muçulmana.

O curioso é que o secretário de Estado norte-americano John Kerry, gabava-se há um mês, que milhões de cidadãos egípcios estavam nas ruas pedindo a intervenção dos militares para tirar do poder o presidente recém-eleito. Segundo ele, o plano era restaurar a democracia. Ao receber os informes oficiais sobre terceiro massacre de opositores políticos em menos de um mês, Kerry certamente tem calafrios ao contemplar a face hedionda logo assumida pelo novo sucessor dos faraós.

Uma tâmara para quem não sabia disso…

 

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