18:36A MENINA AVOADA

de Manoel de Barros

 

Foi na fazenda de meu pai antigamente
Eu teria dois anos; meu irmão, nove.

 

Meu irmão pregava no caixote
duas rodas de lata de goiabada.
A gente ia viajar.

 

As rodas ficavam cambaias debaixo do caixote:

Uma olhava para a outra.

Na hora de caminhar

as rodas se abriam para o lado de fora.

De forma que o carro se arrastava no chão.

Eu ia pousada dentro do caixote

com as perninhas encolhidas.

Imitava estar viajando.

 

Meu irmão puxava o caixote

por uma corda de embira.

Mas o carro era diz-que puxado por dois bois.

 

Eu comandava os bois:

– Puxa, Maravilha!

– Avança, Redomão!

 

Meu irmão falava

que eu tomasse cuidado

porque Redomão era coiceiro.

 

As cigarras derretiam a tarde com seus cantos.

Meu irmão desejava alcançar logo a cidade –

Porque ele tinha uma namorada lá.

A namorada do meu irmão dava febre no corpo dele.

Isso ele contava.

 

No caminho, antes, a gente precisava

de atravessar um rio inventado.

Na travessia o carro afundou

e os bois morreram afogados.

Eu não morri porque o rio era inventado.

 

Sempre a gente só chegava no fim do quintal

E meu irmão nunca via a namorada dele –

Que diz-que dava febre em seu corpo.

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