13:57Crise da desgraça anunciada

por Célio Heitor Guimarães

 

Deu na Gazeta, em saliente manchete de primeira página: “Previdência dos servidores em perigo”. E, em seguida, o anúncio de que “desde que foi implantado o novo plano de custeio da Paranaprevidência no início do ano, o governo do Paraná não repassou a sua cota de contribuição previdenciária dos servidores, o que pode comprometer pagamentos de benefícios no futuro”.

 

Tudo bem, de um tempo para cá a nossa quase centenária Gazetona adquiriu uma desusada intrepidez, denunciando, com inédita coragem, os malfeitos dos administradores públicos. Isso tem lhe rendido a antipatia e até alguns ataques de ordem pessoal de gregos e romanos dos três Poderes do Estado. Mas a plateia, esperançosa, agradece.

 

Ouso, no entanto, perguntar: e onde está a novidade na notícia de que o governo descumpre a lei e já deve R$ 595 milhões à previdência estadual?

 

A Paranaprevidência já nasceu fadada ao fracasso. Era, desde o início, como cansei de denunciar no extinto jornal “O Estado do Paraná”, um fundo sem fundos. Foi um plano vendido ao governo paranaense por um esperto carioca e aqui foi defendido com unhas e dentes pelo então governador Jaime Lerner e pelo “especialista” Renato Follador Júnior (hoje, destacado lobista da previdência privada). Sucedeu o velho Instituto de Previdência do Estado, o saudoso IPE, que faleceu vitimado por inanição e pela absoluta incapacidade administrativa das autoridades públicas, e agora, ainda que repaginada no final do ano passado, está prestes de seguir o caminho de seu antecessor.

 

Em novembro, registrei aqui que, mensalmente, o novo instituto encarregado da administração da previdência pública e do pagamento das aposentadorias dos servidores estaduais e das pensões dos dependentes daqueles arrecada uma montanha de dinheiro dos funcionários em atividade. A esse montante deveria ser juntada a contribuição patronal do Estado. Não obstante, diziase que, no final de 2012, o rombo de caixa já era de cerca de R$ 7,3 bilhões. Indaguei se o leitor sabia por quê? Resposta simples: o governo não vinha cumprindo a sua parte, não fazendo o devido aporte financeiro, como dizem os ilustres economistas. Quer dizer: segundo o TC, o rombo cresceu 5.400% nos últimos quatro anos. A dívida do governo estaria em torno de R$ 8 bilhões.

 

Na ocasião, o então secretário estadual da Administração, hoje, coincidentemente, diretor-presidente da Paranaprevidência, Jorge Sebastião de Bem, afirmava que, “para equacionar as contas do órgão, de forma a evitar que o déficit técnico venha a comprometer o Estado”, necessário se fazia aumentar a contribuição dos servidores ativos e taxar também os inativos e as pensionistas. O bondoso menino Richa, com dó dos velhinhos e velhinhas, poupou os inativos e as pensionistas, mas o aumento da contribuição dos funcionários ativos foi cravado nos contracheques.

 

Eu disse, então, ao Dr. Bem, que o déficit não viria a comprometer o Estado. Já estava comprometendo. Exatamente por culpa daqueles que foram eleitos para bem administrá-lo. E com certeza não seria cobrando de quem nada deve – os velhinhos e as velhinhas do Paraná – e que já contribuíram, inclusive financeiramente, a vida toda para ter hoje uma velhice ao menos digna, ou aumentando a contribuição de quem já contribui que a distorção será corrigida e o fundo capitalizado. Qualquer pessoa mediamente inteligente saberia disso.

 

Como qualquer pessoa medianamente decente saberia, ontem como hoje, que nenhuma mudança de plano de custeio da ParanaPrevidência poderia ser feita antes que uma completa (e séria) auditoria fosse feita no órgão. Até porque a tal ParanaPrevidência continua sendo “uma empresa privada com a extraordinária e inédita função de gerir dinheiro público” – como bem definiu o notável jornalista Milton Ivan Heller.

 

De janeiro para cá, o governo do Estado acrescentou à dívida de R$ 8 bilhões cerca de R$ 600 milhões, correspondentes ao não recolhimento da sua cota de contribuição ao fundo e, para contornar o déficit – conta a Gazeta –, a manobra foi emprestar recursos do Fundo Previdenciário para a Fundo Financeiro, o que é proibido pela legislação.

 

O Dr. Jorge De Bem voltou à luz, desta feita para culpar o governo federal – como já se tornou praxe no Palácio Iguaçu –, que deixou de fazer o repasse de mais de R$ 1 bilhão ao Estado, e teve a coragem de declarar que a não contribuição estatal, nos próximos meses, dependerá da evolução das receitas – ainda que, com isso, continue descumprindo a lei e pondo em risco a previdência dos servidores públicos.

 

Não por acaso, já no início de 1999 afirmei que o problema, além do mais, não estaria apenas nos recursos, mas na vigilância desses recursos, e que, “a julgar pela renitente incompetência dos nossos administradores públicos, o mais provável é que essa nova aventura acabe, como de costume, explodindo no rosto dos contribuintes”. Já está começando. Devia sair do bolso dos maus administradores.

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6 ideias sobre “Crise da desgraça anunciada

  1. arne saknussen neto

    Brilhante artigo , caro Célio. Brilhante. Mas não duvide da honradez dos nossos homens públicos. Todos são extremamente honestos e eficientes. Está no DNA dos políticos paranaenses. Desonestidade, malversação do dinheiro público, concussão e outros termos desabonadores, só podem ser empregados a políticos do Nordeste, da África ou de algum paiseco onde falem língua de cucaracha. Se alguma coisa dá errado mo Paraná, certamente é culpa do governo federal, dos incas venusianos ou do Coringa (aquele, do Batman). O inferno são os outros, dizia Sartre.

  2. antonio carlos

    Mas depois de tantos tapas e beijos trocados voltemos aqui para esta terra, o que se passará com as aposentadorias e pensões, porque é isto o que realmente interessa, elas deixarão de ser pagas ou não? Ah que ótimo, continuarão a ser pagas. Então está tudo bem, porque o que realmente interessa aos aposentados e pensionistas é receber o que lhes é de direito. O déficit, ora o déficit, jogue-se a culpa no desgoverno da presidanta.

  3. engenheiro curitibano

    Não há garantia de que as pensões continuarão a ser pagas, pois o Governo do Paraná não fabrica dinheiro! Ao ritmo de R$ 1 bilhão por ano de déficit no aporte financeiro do Governo, os atuais e futuros aposentados terão surpresas muito desagradáveis já nos próximos anos (muito antes do que se imagina!)! Ressuscitar o IPE não é a solução, pois sempre foi sujeito à politicagem. A solução técnica que resultou no Paraná Previdência é a mais usada no Brasil e no mundo. Mas só funciona com transparência e uma permanente e respeitável auditoria independente. Quem está disposto a ir às ruas por esta causa? Do que jeito que está, a alternativa é buscar outras fontes de remuneração para complementar a aposentadoria: previdência privada, imóveis, etc.

  4. Carlos H. Ribeiro

    Vale lembrar que, recentemente, já aumentaram a contribuição mensal dos servidores de 10% para 11%, supostamente para combater este rom(u)bo.
    Tá parecendo mais golpe da pirâmide do que Previdência.

  5. Leonardo Ribeiro de Souza

    Correto o artigo em identificar o início do Paranáprevidência na embromação cara para nós servidores estaduais do “especialista” em previdência Folador. Quem soma dois mais dois sabe o engodo desse “especialista”. E agora o Estado, é bom que se diga de responsabilidade do “financeiro” deputado Hauli, não repassa o dinheiro devido para o PRprevidência.
    Vergonha! Ele que vá se juntar aos deputados ou que vá perder a eleição em Londrina, esse irresponsável.

  6. Joel de Almeida Silva

    Somente hoje li o que escreveu esse leitor, que em principio parece um esperto em fatos aleatórios. Mas discutir previdencia com essa ingenuidade só para um jornalista com outros interesses ou similares mal formados. O que me espanta é que o “articulista” parece beneficiario do fundo de previdencia mas não conhece nada do que acontece com a previdencia paranaense. Ler um jornal e transcrever o que leu para informar os desiformados é no minimo burrice.

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