7:20A favor do povo

Por Ivan Schmidt

 

Durou menos de 24 horas a sugestão da presidente Dilma Rousseff sobre a realização de plebiscito para a convocação de Assembleia Nacional Constituinte exclusiva para aprovar a reforma política. Pelo menos um jornal informou que a ideia fora do ministro Paulo Bernardo, de quem jamais se desconfiou de qualquer inclinação para o direito constitucional. A grande mancada foi a não-convocação de Michel Temer, tido como grande advogado constitucionalista e três vezes presidente da Câmara dos Deputados, portanto, com autoridade intelectual suficiente para evitar a bola fora.

Aliás, foram raríssimos os especialistas da área a concordar com a sugestão da Assembleia Nacional Constituinte exclusiva, lembrando simplesmente que a prerrogativa de aprovar reformas é reservada ao Congresso Nacional por meio de proposta de emenda constitucional (PEC). Alguns juristas opinaram que o bom caminho constitucional manda que se ouça o povo em ocasiões similares, levando o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, a dizer que algumas pitadas de opinião popular sempre são bem-vindas. E para saber o que pensa o povo, os juristas lembrados dão preferência ao referendo em que os eleitores podem dizer se concordam ou não com as propostas de reforma formuladas pelas duas casas do Congresso.

A presidente da República também “esqueceu” de consultar os presidentes do Senado e da Câmara, Renan Calheiros e Henrique Eduardo Alves que, ato contínuo ao anúncio do mirrado “pacote de junho”, manifestaram posições absolutamente opostas ao ditado presidencial.

Para não ficar tão crasso o equívoco do Planalto sobre a Assembleia Nacional Constituinte, realidade que o ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) tentou minimizar, mas acabou complicando ainda mais, concebeu-se a saída tangencial do plebiscito contendo perguntas específicas sobre reforma política. As perguntas serão encaminhadas ao Congresso por meio de mensagem da presidência da República, devendo versar basicamente sobre financiamento de campanhas (público, privado ou misto) e modelo de voto (distrital, distrital misto ou proporcional). Para bater o martelo sobre a redação final das perguntas, o cerrado iluminou-se de repente e o governo decidiu convidar a oposição para opinar.

Entrementes, a nova proposta do governo também não agradou inteiramente os aliados e tampouco a oposição, tendo em vista que o imbróglio teria que ser resolvido até o dia 20 de agosto, para ter validade já na eleição do próximo ano. O deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), líder da bancada na Câmara e crítico contumaz do governo, resumiu a proposta vinda do outro lado da Praça dos Três Poderes com um comentário lacônico: “Eles estão na ilusão que é para 2014. Não há a menor chance, estão sonhando”. Deixou a malagueta para a hora da sobremesa: “Se estivéssemos no parlamentarismo esse governo já teria caído”.

Mas, vamos combinar! Desde quando o caro leitor tem ouvido falar de financiamento de campanha, sistema de voto e outros temas relacionados com a mãe das reformas. Pelos meus cálculos esse papo tem pra mais de vinte anos! E nesse tempo todo, nenhum presidente que passou pelo Palácio do Planalto demonstrou o mínimo interesse em resolver de vez a questão. Também não se pode reclamar dos parlamentares que presidiram as mesas do Senado e Câmara, até porque em questões desse matiz sempre se limitaram a fazer o que o chefe do Executivo mandava.

Agora, pressionada pelo clamor das ruas, com a popularidade em declínio e com os inexpressivos resultados obtidos pelo modelo administrativo que, diziam, deixaria no chinelo o que de mais supimpa houvesse na galáxia, a presidente quer aprovar a reforma a toque de caixa, decerto para evitar que as próximas pesquisas mostrem, sem as fantasias do marketing e da propaganda, a verdadeira face de um governo preso pela arrogância inerente aos que se acreditam habitantes do Olimpo.

Por outro lado, verifica-se no âmbito do Congresso uma azáfama poucas vezes vista em ocasiões anteriores, no encaminhamento de soluções para a melhoria dos serviços públicos em educação, saúde e transporte urbano, o chamado “pacote das ruas”. Se não me falha a memória, pelo menos há trinta anos esse tem sido o recheio obrigatório do discurso de quaisquer candidatos a cargo eletivo, do vereador ao presidente da República. O Parlamento deverá aprovar o investimento público em educação para 7% do PIB até 2018 e de 10% até 2020. A saúde terá tratamento quase idêntico, e o mesmo deverá ocorrer com o sistema de transporte urbano, com a redução de impostos incidentes na aquisição de insumos e a baixa do custo da energia consumida por metrôs, trens e ônibus elétricos. Tudo isso vai custar aos cofres da União um gasto adicional de R$ 115 bilhões por ano até o final da década, segundo o jornal Valor Econômico.

Mas, vá lá, curtam a boa nova patrocinada pelo Senado: de agora em diante a corrupção está enquadrada como crime hediondo, não havendo mais votação secreta em processos de cassação de mandatos de parlamentares. E parte dos royalties do petróleo será destinada à educação, como se uma decisão dessas pudesse dar resultados da noite para o dia.

Foi preciso que multidões de jovens de classe média, aparentemente num movimento anárquico e sem líderes à vista, saíssem e continuassem nas ruas de quase todas as capitais e cidades importantes do País, para exigir a correção de rumos de gestões públicas mofinas e desmoralizadas. E quase todos os morubixabas no poder, amedrontados como coelhos, não tiveram outra escolha senão compreender que foram eleitos para puxar a corda a favor do povo.

 

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3 ideias sobre “A favor do povo

  1. Célio Heitor Guimarães

    Nada como quem sabe escrever bem e com classe. Grande Ivan! Talvez ninguém diga nada, porque, como diz o nosso mestre Zé Beto, quando se acerta no olho, a turma emudece.

  2. antonio carlos

    Que sorte a nossa, além de não desistirmos nunca, de Deus ter o privilegio de ser brasileiro, ainda somos governados por uma presidanta, não se trata de erro não, é assim mesmo, presidanta.

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