7:58O povo caminha nas ruas

por Célio Heitor Guimarães

 

E isso é bom ou ruim? Depende. Se for para fazer arruaça, pichar e depredar o patrimônio público e privado; atormentar a vida dos cidadãos, impedi-los de ir e vir e aprisioná-los em automóveis; provocar e enfrentar a força policial pelo simples prazer do confronto, como um bando de rebeldes sem causa; tentar invadir prédios públicos e sedes governamentais ou convulsionar a vida das cidades contra o aumento das passagens urbanas sem nunca ter entrado antes em um ônibus, é péssimo. Mau exemplo que, desgraçadamente, se alastra como peste. Governo não se derruba no grito e no porrete, mas pelo voto. Esse é um filme que já vimos e termina mal, muito mal.

 

Agora, se a caminhada for para protestar, de maneira pacífica e civilizada, sem a participação de partidos políticos, contra os desmandos das autoridades e a farsa administrativa; contra a violência e a falta de segurança; contra a lamentável educação nacional e a criminosa situação da saúde pública; contra a precariedade do transporte coletivo; contra a volta da inflação e os juros escorchantes que corroem a economia nacional; contra a corrupção, o compadrio imoral, a impunidade, a defesa dos mensaleiros e as manobras jurídicas para libertá-los sem o cumprimento de pena; contra à submissão à FIFA, que, sob o olhar complacente (ou cúmplice) do poder público, exige a construção de “elefantes brancos” esportivos, a preços indecentes, pagos com o dinheiro público, e ingressos de custo absurdo, que afugentam o povo das ditas novas arenas, é bom. Mais do que bom, é ótimo. Estava mais do que na hora de a maioria oculta e silenciosa mostrar a cara e por a boca no trombone. Chega de canalhice, de patifes e oportunistas que exploram a população e ditam regras como se fossem donos do Brasil. Aí o povo terá toda a razão de sair às ruas e caminhar por um país melhor e mais justo. Podem me chamar que eu vou junto.

 

Rubem Alves, que é o meu filósofo favorito, sustenta que, às vezes, o povo unido é um perigo. Tem calafrios quando ouve gritos de guerra como “o povo unido jamais será vencido”, porque isso lhe remete à época tenebrosa do “Ame-o ou deixe-o!”. Por experiência da vida, sabe que a vontade do povo nem sempre é a mais confiável. E cita o exemplo de Hitler, alçado ao poder pela vontade da população alemã, como poderia citar o de Chávez e de tantos outros ditadores da esquerda ou da direita. Ou então – ele que estudou profundamente a Bíblia – o de Moisés, que bastou demorar-se um pouco mais no topo da montanha para que a patuleia passasse a adorar um bezerro de ouro. Ou mesmo do próprio Jesus, levado à cruz por decisão popular.

 

Mas Rubem, como eu, sabe que há horas em que o povo fica bonito, deixa de ser gado marcado, deixa de ser ignorante iludido, para exigir os seus direitos de cidadão e marchar entoando o velho Geraldo Vandré:

 

“Caminhando e cantando / E seguindo a canção / Somos todos iguais / Braços dados ou não / Nas escolas, nas ruas / Campos, construções / Caminhando e cantando / E seguindo a canção / Vem, vamos embora / Que esperar não é saber / Quem sabe faz a hora / Não espera acontecer / Pelos campos há fome / Em grandes plantações / Pelas ruas marchando / Indecisos cordões / Ainda fazem da flor / Seu mais forte refrão / E acreditam nas flores / Vencendo o canhão… / Os amores na mente / As flores no chão / A certeza na frente / A história na mão / Caminhando e cantando / E seguindo a canção / Aprendendo e ensinando / Uma nova lição / Vem, vamos embora / Que esperar não é saber / Quem sabe faz a hora / Não espera acontecer…

 

Oxalá seja esse o povo que hoje caminha nas ruas do Brasil…

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2 ideias sobre “O povo caminha nas ruas

  1. Jeremias, o bom

    De longe este é o melhor texto que li sobre as recentes manifestações.
    Costumo não concordar com Celio Heitor Guimarães, mas nesse assunto estou com ele.
    Parabéns ao autor.

  2. Célio Heitor Guimarães

    Jeremias, que bom tê-lo de volta! O mesmo Rubem Alves citado no texto ensina que não é preciso estar de acordo para ser amigo. Seja bem-vindo.

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