por Célio Heitor Guimarães
E isso é bom ou ruim? Depende. Se for para fazer arruaça, pichar e depredar o patrimônio público e privado; atormentar a vida dos cidadãos, impedi-los de ir e vir e aprisioná-los em automóveis; provocar e enfrentar a força policial pelo simples prazer do confronto, como um bando de rebeldes sem causa; tentar invadir prédios públicos e sedes governamentais ou convulsionar a vida das cidades contra o aumento das passagens urbanas sem nunca ter entrado antes em um ônibus, é péssimo. Mau exemplo que, desgraçadamente, se alastra como peste. Governo não se derruba no grito e no porrete, mas pelo voto. Esse é um filme que já vimos e termina mal, muito mal.
Agora, se a caminhada for para protestar, de maneira pacífica e civilizada, sem a participação de partidos políticos, contra os desmandos das autoridades e a farsa administrativa; contra a violência e a falta de segurança; contra a lamentável educação nacional e a criminosa situação da saúde pública; contra a precariedade do transporte coletivo; contra a volta da inflação e os juros escorchantes que corroem a economia nacional; contra a corrupção, o compadrio imoral, a impunidade, a defesa dos mensaleiros e as manobras jurídicas para libertá-los sem o cumprimento de pena; contra à submissão à FIFA, que, sob o olhar complacente (ou cúmplice) do poder público, exige a construção de “elefantes brancos” esportivos, a preços indecentes, pagos com o dinheiro público, e ingressos de custo absurdo, que afugentam o povo das ditas novas arenas, é bom. Mais do que bom, é ótimo. Estava mais do que na hora de a maioria oculta e silenciosa mostrar a cara e por a boca no trombone. Chega de canalhice, de patifes e oportunistas que exploram a população e ditam regras como se fossem donos do Brasil. Aí o povo terá toda a razão de sair às ruas e caminhar por um país melhor e mais justo. Podem me chamar que eu vou junto.
Rubem Alves, que é o meu filósofo favorito, sustenta que, às vezes, o povo unido é um perigo. Tem calafrios quando ouve gritos de guerra como “o povo unido jamais será vencido”, porque isso lhe remete à época tenebrosa do “Ame-o ou deixe-o!”. Por experiência da vida, sabe que a vontade do povo nem sempre é a mais confiável. E cita o exemplo de Hitler, alçado ao poder pela vontade da população alemã, como poderia citar o de Chávez e de tantos outros ditadores da esquerda ou da direita. Ou então – ele que estudou profundamente a Bíblia – o de Moisés, que bastou demorar-se um pouco mais no topo da montanha para que a patuleia passasse a adorar um bezerro de ouro. Ou mesmo do próprio Jesus, levado à cruz por decisão popular.
Mas Rubem, como eu, sabe que há horas em que o povo fica bonito, deixa de ser gado marcado, deixa de ser ignorante iludido, para exigir os seus direitos de cidadão e marchar entoando o velho Geraldo Vandré:
“Caminhando e cantando / E seguindo a canção / Somos todos iguais / Braços dados ou não / Nas escolas, nas ruas / Campos, construções / Caminhando e cantando / E seguindo a canção / Vem, vamos embora / Que esperar não é saber / Quem sabe faz a hora / Não espera acontecer / Pelos campos há fome / Em grandes plantações / Pelas ruas marchando / Indecisos cordões / Ainda fazem da flor / Seu mais forte refrão / E acreditam nas flores / Vencendo o canhão… / Os amores na mente / As flores no chão / A certeza na frente / A história na mão / Caminhando e cantando / E seguindo a canção / Aprendendo e ensinando / Uma nova lição / Vem, vamos embora / Que esperar não é saber / Quem sabe faz a hora / Não espera acontecer…
Oxalá seja esse o povo que hoje caminha nas ruas do Brasil…
De longe este é o melhor texto que li sobre as recentes manifestações.
Costumo não concordar com Celio Heitor Guimarães, mas nesse assunto estou com ele.
Parabéns ao autor.
Jeremias, que bom tê-lo de volta! O mesmo Rubem Alves citado no texto ensina que não é preciso estar de acordo para ser amigo. Seja bem-vindo.