6:11Agente do Hesbollah morou em Curitiba

por Ivan Schmidt

 

A revista Veja dessa semana publicou inquietante matéria (A filial do terror), dando conta que o Irã plantou no Brasil uma rede de extremistas ligados ao Hezbollah, que agiram no planejamento e execução do atentado à Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), em 18 de julho de 1994, com a explosão do prédio localizado no centro de Buenos Aires por uma bomba de 400 quilos feita com “um composto de nitrato de amônio, alumínio, dinamite e nitroglicerina”. Exatamente 85 pessoas morreram vitimadas pela explosão, incluindo o terrorista suicida, ficando feridas outras dezenas de pessoas.

 

Dentre as razões prováveis para o sangrento atentado, levantadas desde o princípio por investigadores argentinos, especulou-se que o plano havia sido engendrado pelo governo iraniano e posto em prática pelo Hezbollah. Vinte anos depois de exaustivas buscas, o procurador especial Alberto Nisman apresentou à Justiça um relatório de 502 páginas, no qual acusa formalmente a cúpula do citado governo de ter concebido o nefando crime.

 

E a razão essencial para a retaliação que acabou matando inocentes e desgraçando a vida de outros tantos que estavam no prédio no momento da explosão (9h53 da manhã), foi o não cumprimento do compromisso assumido pelo então presidente Carlos Menem, quanto à transferência de tecnologia nuclear ao país dos aiatolás.

 

O relatório escrito pelo procurador Alberto Nisman, infelizmente, comprova a suspeita da presença e movimentação de terroristas islâmicos em Foz do Iguaçu, fato que a imprensa brasileira cansou de divulgar e o governo sempre desmentiu. A maior fatia desse repasto intragável cabe ao governo então presidido por Itamar Franco, que não mais está entre os vivos para lamentar a falha.

 

Contudo, devem estar ainda por aí alguns responsáveis pela diplomacia da época, assim como chefes e imediatos da Polícia Federal, especialmente na área das três fronteiras, cuja atenção deveria ser redobrada (mas não é) pela peculiaridade geográfica amplamente propícia à operação de elementos indesejáveis.

 

Moravam em Foz do Iguaçu, não se sabe desde quando, Mohamed Einaki, de acordo com o texto de Veja, “um dos pioneiros do Hezbollah no Brasil”, recrutador de xiitas libaneses da cidade fronteiriça para a rede extremista mantida pelo Irã na América Latina e Farouk Omairi, encarregado de providenciar dinheiro para a manutenção dos milicianos. O outro personagem destacado da trama, Samuel Salman El Reda, tinha sua residência em Curitiba, de onde exerceu o comando da fase final da operação, valendo-se de um simples telefone.

 

Um dos precedentes que nos encheram de vergonha havia sido a permanência no Brasil, do médico nazista Josef Mengele, frio assassino dos campos de concentração (viveu tranquilamente por vários anos em São Paulo), ao que tudo indica sem sofrer o menor constrangimento da parte da polícia de estrangeiros. Mengele morou em pequenos hotéis paulistanos e, no verão, freqüentava a praia de Mongaguá, onde morreu de ataque cardíaco enquanto nadava. Mas, em nenhum momento, mesmo vivendo ilegalmente no país foi incomodado pela “otoridade”.

 

A residência temporária de agentes do Hezbollah em Curitiba e Foz do Iguaçu, dado o extenso número de imigrantes de países árabes no Brasil, provavelmente seguiu trâmites exigidos pela legislação, mas não deixa de suscitar uma série de interrogações que põem em flagrante desconforto a “eficiência” da atuação do nosso aparato policial. O argumento poderia ser o mesmo do governo norte-americano ante o atentado ao World Trade Center ou o recente ataque desferido contra os maratonistas de Boston, invocando-se a impossibilidade de controlar os passos individuais de milhões de imigrantes.

 

No caso da explosão da Amia, uma das primeiras suspeitas da polícia argentina recaiu sobre o governo iraniano, na época exercido pelo aiatolá Khomeini, que se arrogava a condição de líder maior do chamado ressurgimento islâmico. Vale a pena repassar algumas considerações do cientista político inglês Samuel Huntington no livro O choque das civilizações, lançado em 1996 e traduzido para o português em 2010 pela Editora Objetiva (RJ), inseridas no conjunto analítico sobre o chamado ressurgimento islâmico.

Ainda era recente a efervescência sociopolítica dos países muçulmanos, ante a qual o pesquisador concluía que “muitas sociedades não ocidentais possuem armas nucleares (Rússia, China, Israel, Índia, Paquistão e, possivelmente, Coréia do Norte), vêm desenvolvendo grandes esforços para obtê-las (Irã, Iraque, Líbia e, possivelmente, Argélia) ou estão se colocando em posição para obtê-las rapidamente caso vejam necessidade disso (Japão)”.

Além disso, o autor acrescentava que “os movimentos fundamentalistas islâmicos têm se mostrado vigorosos nas sociedades muçulmanas mais avançadas e aparentemente mais seculares como Argélia, Irã, Egito, Líbano e Tunísia” e aqueles particularmente fundamentalistas “são altamente competentes na utilização das comunicações e técnicas organizacionais modernas para difundir sua mensagem, o que é ilustrado de modo muito espetacular pelo êxito do televangelismo protestante na América Central”.

Ao se chegar aos meados dos anos 90 – escrevia Huntington – “só no Irã e no Sudão tinham chegado ao poder governos explicitamente fundamentalistas islâmicos”, ao passo que em 40 outros países muçulmanos os governos eram amplamente não democráticos. “O crescimento populacional nos países muçulmanos, e em especial a expansão das coortes de 15 a 25 anos de idade, proporcionam a massa de recrutamento para o fundamentalismo, o terrorismo, a subversão e a migração”, assinalava.

Uma das constatações de Huntington foi “a inexistência de um Estado-núcleo islâmico”, que “muito contribui para os generalizados conflitos internos e externos que caracterizam o Islã”. A percepção compartilhada por esse e outros pesquisadores é que “durante a maior parte do século XX, nenhum país muçulmano teve poder suficiente ou suficiente legitimidade cultural e religiosa para assumir o papel de líder do Islã e, como tal ser aceito pelos demais países islâmicos e não islâmicos”.

Esse vazio de liderança acabou sendo ocupado por elementos extremamente radicais, como o líder iraniano Khomeini, que pouco depois da chegada ao poder declarou que “o Irã está de fato em guerra com os Estados Unidos”, motivo que levou Washington a colocar o país asiático em primeiro lugar no rol de estados terroristas. Os demais eram Iraque, Síria, Líbia, Sudão, Cuba e Coréia do Norte.

Portanto, a conclusão da longa investigação iniciada há vinte anos pelo procurador especial Alberto Nisman sobre o atentado contra a Amia, cuja ordem partiu de Ali Khamenei, “líder supremo do Irã”, em agosto de 1993, vem apenas confirmar o anseio iraniano pela cadeia de comando do terrorismo internacional.

Por tabela serve igualmente para carimbar o recurso maledicente dos filmes B de Hollywood, nos anos 40, de que o Brasil era um paraíso de gangsters, ladrões, chantagistas e assemelhados, o que deve ter contribuído em grande medida para a vinda, primeiro de nazistas e mafiosos e, depois de terroristas de países do Oriente Médio, para de nossos quintais reexpedirem as ordens recebidas de Teerã, a fim de perpetrar o “atentado mais sangrento da história argentina”, conforme o texto de Duda Teixeira e Leonardo Coutinho, na Veja.

Mais um flagelo na sofrida caminhada do povo israelita e, a meu ver, uma vergonha pela qual o Brasil deve desculpas aos países civilizados.

 

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3 ideias sobre “Agente do Hesbollah morou em Curitiba

  1. Mr.Scrooge

    Com tantos “brimos” vivendo no Brasil é temerário afirmar que este ou aquele faziam parte do Hezbollah. E que colaboraram no tal atentado. A revista faz uma suposição, nada além disto. As conclusões do d tal livro se baseavam em uma realidade que hoje é totalmente diferente.

  2. Ivan Schmidt

    A matéria da Veja está baseada nas conclusões do relatório do procurador argentino Alberto Nisman, depois de 25 anos de investigações. Não são suposições, mas fatos reais. Quanto aos agentes do Hesbollah no Brasil, provalmente entraram no País seguindo trâmites da política de imigração, como já ocorreu em muitos países. E quanto às conclusões de Huntington, formuladas ao longo da década de 90 — suponho — o leitor está coberto de razão, porque as mesmas se cumpriram com estarrecedora exatidão!

  3. AVERRÓIS

    São tão reais como o Mensalão do PT, nessa época o presidente era o Menen – direitista neo-liberal e agora condenado a 13 anos de prisão por contrabando – se fossem fatos verdadeiros Menen, liberava a Mossad para perseguir, sequestrar ou assassinar em solo argentino, os “terroristas”. Café requentando da Revista Óia, mas algo há!!!! Talvez atingir alguém podero$$$o no Brasil descendente do mundo árabe.

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