Pela causa:
Os expositores falaram sobre os prejuízos que a exposição ao amianto ou asbesto traz à saúde, causando doenças como a asbestose, o câncer de pulmão e o mesotelioma, tipo de câncer que ocorre nas camadas mesoteliais da pleura, pericárdio, peritônio e da membrana serosa do testículo, doenças que podem levar até 45 anos para se manifestar.
“O amianto tem que ser extirpado da face da terra, quanto mais tempo demorarmos para abolir o amianto, mais gente vai morrer por causa dele”, afirma o presidente da Associação Nacional dos Expostos ao Amianto (ABREA), Eliezer João de Souza. “Nós já fomos contaminados; é um caminho sem volta, porque o amianto não sai do nosso corpo; a luta hoje é preventiva, para que a nova geração não morra contaminada”, diz Souza, que trabalhou durante 13 anos em empresa que utilizava a fibra mineral.
Em comparação com o Brasil, a sentença da corte de apelação italiana assemelha-se ao acórdão dos Tribunais de Justiça estaduais ou dos Tribunais Regionais Federais. Assim, caberá ainda recurso desta sentença para a Corte de Cassação italiana, o que seria similar, no Brasil, ao Superior Tribunal de Justiça, onde não mais se discutirão fatos, apenas matéria jurídica, se a lei foi mal ou bem interpretada.
Gianfranco Colace e Sara Panelli, os promotores que falaram no evento em Curitiba e participaram das investigações do caso até o julgamento contaram como se deu todo o processo investigatório e falaram das dificuldades que se teve até a obtenção do nexo-causal, ligando as mortes de trabalhadores, familiares e pessoas da cidade à toxidade do amianto. A fábrica de Casale Monferrato faliu em 1986, seis anos antes da proibição do amianto no país (em 1992).
Vendo que se multiplicavam os casos que chegavam de doenças como o mesotelioma, asbestose e tumores de pleura, na região, os promotores procuraram reconstituir as formas e o ambiente de trabalho na fábrica (que já estava fechada). Percebeu-se que não havia separação física entre os setores nem equipamentos eficazes de proteção, que a higienização das roupas era feita pelos trabalhadores e suas esposas, que lavavam as roupas cheias de pó em suas casas, sem qualquer proteção. Também foram obtidos documentos que comprovavam que os empresários sabiam que o amianto era cancerígeno (a empresa tinha cópia de uma edição do jornal The New York Times, de 1973, que publicava conteúdo de conferência realizada em 64, com informações de que a fibra era carcinogênica, inclusive com foto de um pulmão com mesotelioma). Também foi descoberto que em 1976 havia documentos com estratégias de abordagem do tema perante públicos como jornalistas e sindicatos, que vinham da sede suíça da Eternit. Além disso e de outros muitos documentos encontrados, solicitou-se estudo epidemiológico que confirmou que, em relação aos padrões normais, havia de 30 a 70 vezes mais ocorrência de doenças nas pessoas que moravam a até dez quilômetros de distância da fábrica e que os residentes a até 500m adoeciam tanto quanto os trabalhadores.
Todas essas informações levaram o Ministério Público italiano a provar o nexo de causa, podendo formalizar a acusação que acabou condenando os empresários.
Dados que impressionam – De acordo com o juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Roberto de Figueiredo Caldas, que mediou as discussões da mesa, “estamos diante de uma epidemia”. “Os dados mostram que 100 mil pessoas por ano morrem em decorrência do contato de algum tipo com o amianto, muito mais pessoas contraem doenças, mas 100 mil morrem por ano. É uma calamidade universal”, fiz. Ele afirma que mesmo do ponto de vista econômico, a exploração do amianto não vale a pena. “Calcula-se que apenas para se acondicionar os dejetos da exploração do amianto se gasta mais do que todo o ganho na exploração dele. Isso sem considerar os gastos que o Estado terá com a saúde pública, para tratar dos doentes, e com a previdência social. Nós tivemos a oportunidade de ver na audiência pública realizada perante o Supremo Tribunal Federal que do ponto de vista econômico também é catastrófico para o Estado e para a sociedade”.
Roberto de Figueiredo Caldas também alertou para alguns mitos que se tenta difundir. Um deles, o de que o amianto usado no Brasil seria diferente e menos perigoso do que os utilizados em outros países. “Isto é uma falácia. O amianto brasileiro, que é chamado de crisotila ou amianto branco, é o mesmo utilizado em 98% das vezes no mundo – apenas 2% são os outros tipos de amianto – e é considerado pela Organização Mundial de Saúde como todos os outros, igualmente cancerígeno”, disse.
O juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos ressaltou ainda que a Organização Internacional do Trabalho (OIT), por meio de resolução, defende o banimento do amianto, a troca quando outro elemento puder ser utilizado. “É o caso brasileiro, já que temos substituto para o amianto, com preços idênticos”. Pontuou também que o Conama reconheceu, já em 2004, que de acordo com os critérios da Organização Mundial de Saúde (OMS) não há limites de exposição ao amianto. “O impacto não é apenas para os trabalhadores e para a sociedade que convive naquele momento. O amianto degrada o meio ambiente e perpassa gerações. O resíduo, o pó, continua resistente ao longo do tempo e levado pelo vento continua adoecendo e matando”.
Ele alertou ainda para o fato de que a Corte Europeia de Direitos Humanos já teve oportunidade por duas vezes de examinar casos de vítimas de amianto, um caso contra a Alemanha e outro contra a Turquia. “A Corte condenou os respectivos estados a indenizar, porque o amianto é de fato absolutamente nocivo”. “Avanço apenas para dizer que a Constituição Brasileira, nos dispositivos que protege a vida, a saúde, a integridade, garante a interpretação de que o amianto não pode seguir sendo usado no nosso país”, finalizou.
Legislação no Paraná – Desde 2011, está em discussão na Assembleia Legislativa do Paraná o projeto de lei nº 76/2011, que prevê a proibição do uso e fabricação de amianto no Estado. A proposta deveria tramitar em regime de urgência, aprovado em fevereiro de 2012, mas está sobrestado na Diretoria Legislativa desde março daquele ano, aguardando decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade de lei estadual de outro estado sobre o tema. Leia o projeto.
Lei municipal de Curitiba, publicada em 11 de dezembro do ano passado (Lei nº 14.172) estabelece a proibição do uso de “produtos, artefatos ou materiais que contenham quaisquer tipos de amianto ou asbesto na sua composição, em especial nas obras de construção civil, tanto públicas quanto privadas, incluindo as reformas” no município.