7:08Em defesa da velha Saldanha

por Célio Heitor Guimarães

 

Sou habitante da Saldanha. Da mal-afamada, mal-falada, mal-cheirosa e mal-cuidada Saldanha Marinho, que corta o centro de Curitiba, da Catedral à Campina do Siqueira e que marcou presença nas páginas da Gazeta dessa segunda-feira. Mas a má-fama da rua concentra-se no trecho entre a Catedral e a Visconde de Nácar, região em que moro. É a nossa Boca-do-Lixo. Cheguei aqui antes da desonra e da difamação. Já quis cair fora. Hoje não quero mais. Ir para onde? Meu apartamento é arejado, face norte, tem sol até demais, o pé- direito é de 2m80cm, as janelas são altas e largas e dão visão para o bonito crepúsculo de Curitiba. A única deficiência que tínhamos era o sinal da TV, que a TV a cabo resolveu. Temos padaria, açougue, mercado e até lanchonete e confeitaria ao alcance dos pés. Temos também o Bar Kapelle (II), da Mara. Onde vou arrumar coisa melhor, por um preço digno e pagável? No Batel, que já foi pequenino e glamouroso e hoje expande-se da Brigadeiro Franco ao Seminário e da Vicente Machado à Getúlio Vargas? Ou no Bigorrilho, chamado de Champagnat? Antes de casar-se, meu filho foi ver um apartamento lá. Voltou assustado: “Pai, no quarto principal, se colocarmos a cama, ninguém entra…”. De mais a mais, onde se tem segurança nesta Curitiba dos dois milhões de habitantes e bandido saindo pelo ladrão (perdão pelo trocadilho)? No Jardim Social? No Cajuru? Ou nos outrora pacíficos e saudáveis bairros da Água Verde, do Bom Retiro, do Juvevê ou das Mercês? Até a colônia de Santa Felicidade já não é mais aquela e tem frequentado as páginas policiais, com assaltos, sequestros e assassinatos. Não, fico aqui mesmo. Os nossos marginais já são conhecidos e não fazem mal aos nativos do local.

 

Outro dia, deixei o carro na revisão e voltei para casa de táxi no começo da noite. Quando disse ao motorista onde ia ficar, ele se assustou. Fez expressão de incredulidade e perguntou-me, sem conter a surpresa: “O senhor vai descer aqui?!!”. Respondi-lhe que sim, que morava ali há quarenta anos e que não poderia passar a noite na rua. Ele teve que se conformar, mas não deixou de levantar o sobrecenho e menear a cabeça, como quem diz: “Fazer o que?!”

 

Meu filho, que cresceu e se fez gente aqui, também se preocupa. Se chego tarde em casa, faz questão de telefonar para saber se está tudo bem. Está. Eu e a mãe dele, assim como tantos outros moradores da zona, temos um pacto tácito recíproco de não agressão com a fauna que nos cerca: não nos incomodamos com ela e ela não nos incomoda.

 

Aliás, estou pensando seriamente em ter um particular com o Gustavo para ver se é possível incluir a Saldanha, especialmente este trecho entre a Alameda Cabral e a Rua Visconde de Nácar, no trajeto daquele ônibus de turismo que passeia pela cidade. Aqui temos, prostitutas, travestis, cafetões, traficantes, fregueses da droga, bebuns, bares com churrasquinho de linguiça na calçada e bordéis ao ar livre e a todo vapor. Tudo em plena harmonia. É a quadra mais alegre da cidade. E se não tem como acabar com ela, pelo menos mostremo-la aos visitantes. Que acha, Guga?

 

P.S. – Agora, se eu pudesse fazer uma reivindicação em nome dos resistentes saldanhenses (ou seria saldanhanos?), pediria ao nosso prezado alcaide que determinasse a correção do calçamento de paralelepípedos na quadra da Cabral à Visconde de Nácar, refazendo a divisão da pista com pedras claras, como sempre foi, até o esparramo da última reforma. É uma questão de, no mínimo, estética.

Compartilhe

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.